São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO/CRÍTICA

Armazém faz elogio à tolerância em "A Caminho de Casa"

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Em 18 anos de vida, a Cia. Armazém de Teatro criou processos e expectativas. Parte de um conceito, muitas vezes abstrato, para procurar o melhor texto para expressá-lo e a melhor forma para dar conta desse texto. Dela sempre pode se esperar um espetáculo inovador e bem embalado e um discurso que não teme ser retórico desde que instigue à reflexão sobre o contemporâneo.
Assim, entre o encanto e o incômodo, "A Caminho de Casa" atinge um ápice. O seu ponto de partida, a fé agindo sobre o homem, poderia cair no maniqueísmo se não enfrentasse a grande ferida contemporânea: o fanatismo religioso como origem do terrorismo. A fé que salva do vácuo existencial também é a que pode gerar o caos a seu redor.
O diretor Paulo de Moraes, junto a Maurício Arruda Mendonça (dupla responsável pelo excelente "Alice Através do Espelho", primeira de quatro parcerias), desenvolve sua reflexão em três etapas. A do meio se baseia em "O Senhor Ibrahim e as Flores do Corão", de Eric-Emmanuel Schmit, uma novela sobre a tolerância que costuma ser apresentada em teatros em Israel por grupos pacifistas, alternando a versão árabe e judaica.
Para introduzir a fábula do órfão judeu adotado pelo viúvo sufi, o espetáculo parte do conto "A Auto-Estrada do Sul", de Cortázar, no qual um engarrafamento monstro obriga desconhecidos a confraternizarem de um carro para o outro. A causa do engarrafamento, inventam os dramaturgos, é a explosão terrorista de um ônibus. Na última parte, tem a palavra a mãe do homem-bomba.
A estratégia é ousada. São três peças bem diferentes que se ligam. A primeira, cheia de humor cínico, traça personagens instantâneos no limite da caricatura (destaque para a comovente noiva de Raquel Karro), com o cenário de Carla Berri particularmente dinâmico: carros que se abrem ao meio multiplicam o palco em um ritmo frenético. No segundo, o tempo é ralentado, sem pudor de cair no melodrama, para que o senhor Ibrahim (feito com grande carisma por Thales Coutinho) convença o menino Momo a voltar a acreditar no mundo.
No terceiro, a Cia. Armazém se arrisca na tragédia. A solenidade desconcerta, incomoda às vezes, mas não perde o prumo: Patrícia Selonk, tão eficiente em fazer rir na primeira parte, impõe respeito para que se ouça a mãe do "mártir" terrorista, a quem em geral a mídia só mostra chorando. Tarefa de rara aridez: mas não há nada que Selonk não possa fazer.
Apesar de poder ganhar com um enxugamento, o espetáculo vence pela integridade de seu objetivo. Reflexão compartilhada, "A Caminho de Casa" é um inesquecível elogio à tolerância enquanto heroísmo cotidiano.


A Caminho de Casa
   
Dramaturgia: Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes
Direção: Paulo de Moraes
Com: Cia. Armazém de Teatro
Quando: sex., às 21h; sáb. e dom., às 20h; até 13 de novembro
Onde: Sesc Belenzinho - teatro (r. Álvaro Ramos, 915, Quarta Parada, zona leste de SP, tel. 0/xx/11/6602-3700)
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Literatura: Aquino visita o amor e reencontra a violência
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.