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TEATRO/CRÍTICA
Armazém faz elogio à tolerância em "A Caminho de Casa"
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Em 18 anos de vida, a Cia. Armazém de Teatro criou processos e expectativas. Parte de um conceito, muitas vezes abstrato,
para procurar o melhor texto para
expressá-lo e a melhor forma para
dar conta desse texto. Dela sempre pode se esperar um espetáculo inovador e bem embalado e um
discurso que não teme ser retórico desde que instigue à reflexão
sobre o contemporâneo.
Assim, entre o encanto e o incômodo, "A Caminho de Casa"
atinge um ápice. O seu ponto de
partida, a fé agindo sobre o homem, poderia cair no maniqueísmo se não enfrentasse a grande ferida contemporânea: o fanatismo
religioso como origem do terrorismo. A fé que salva do vácuo
existencial também é a que pode
gerar o caos a seu redor.
O diretor Paulo de Moraes, junto a Maurício Arruda Mendonça
(dupla responsável pelo excelente
"Alice Através do Espelho", primeira de quatro parcerias), desenvolve sua reflexão em três etapas. A do meio se baseia em "O
Senhor Ibrahim e as Flores do Corão", de Eric-Emmanuel Schmit,
uma novela sobre a tolerância que
costuma ser apresentada em teatros em Israel por grupos pacifistas, alternando a versão árabe e
judaica.
Para introduzir a fábula do órfão judeu adotado pelo viúvo sufi,
o espetáculo parte do conto "A
Auto-Estrada do Sul", de Cortázar, no qual um engarrafamento
monstro obriga desconhecidos a
confraternizarem de um carro para o outro. A causa do engarrafamento, inventam os dramaturgos, é a explosão terrorista de um
ônibus. Na última parte, tem a palavra a mãe do homem-bomba.
A estratégia é ousada. São três
peças bem diferentes que se ligam. A primeira, cheia de humor
cínico, traça personagens instantâneos no limite da caricatura
(destaque para a comovente noiva de Raquel Karro), com o cenário de Carla Berri particularmente
dinâmico: carros que se abrem ao
meio multiplicam o palco em um
ritmo frenético. No segundo, o
tempo é ralentado, sem pudor de
cair no melodrama, para que o senhor Ibrahim (feito com grande
carisma por Thales Coutinho)
convença o menino Momo a voltar a acreditar no mundo.
No terceiro, a Cia. Armazém se
arrisca na tragédia. A solenidade
desconcerta, incomoda às vezes,
mas não perde o prumo: Patrícia
Selonk, tão eficiente em fazer rir
na primeira parte, impõe respeito
para que se ouça a mãe do "mártir" terrorista, a quem em geral a
mídia só mostra chorando. Tarefa
de rara aridez: mas não há nada
que Selonk não possa fazer.
Apesar de poder ganhar com
um enxugamento, o espetáculo
vence pela integridade de seu objetivo. Reflexão compartilhada,
"A Caminho de Casa" é um inesquecível elogio à tolerância enquanto heroísmo cotidiano.
A Caminho de Casa
Dramaturgia: Maurício Arruda
Mendonça e Paulo de Moraes
Direção: Paulo de Moraes
Com: Cia. Armazém de Teatro
Quando: sex., às 21h; sáb. e dom., às
20h; até 13 de novembro
Onde: Sesc Belenzinho - teatro (r. Álvaro
Ramos, 915, Quarta Parada, zona leste de
SP, tel. 0/xx/11/6602-3700)
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15
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