São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

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LITERATURA

Escritor lança "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios", romance que escreveu sem planos prévios

Aquino visita o amor e reencontra a violência

Bruno Miranda/Folha Imagem
O escritor Marçal Aquino, que lança romance, visto pelo buraco do elevador do prédio onde mora


JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

O protagonista assiste à mulher, cujos lábios recém conheceu numa foto, a afastar-se pela rua. Um coadjuvante posta-se a seu lado, mirando a mesma nuca, e lhe pergunta: "Sabe quem é?". Não, ele não sabe, descobrimos os leitores. O que não descobrimos, ao menos não de imediato ou facilmente, é que tampouco o criador daqueles três personagens sabe quem é a mulher que acaba de adentrar-lhe o romance.
Só o que Marçal Aquino sabe é que, sim, encontrou a mulher de que necessitava para contracenar com seu protagonista e que, sim, pode utilizar para a história resultante desse encontro o título carente de enredo que anos antes arquitetou: "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios". Agora, três anos depois de personagem e autor a terem simultaneamente vislumbrado pela primeira vez, anos em que cena a cena ambos foram descobrindo a natureza daquela relação, o livro finalmente chega às livrarias.
Isso mesmo, Aquino escreve como quem lê, ignorante das surpresas que lhe esperam, alheio a possíveis surtos e viravoltas de seus personagens. No preciso instante em que narra, em que a esferográfica percorre as folhas do caderno -ele ainda escreve à mão-, desconhece as faces que perscrutarão as lentes de seu fotógrafo, a uma vez narrador e protagonista. Desconhece a paixão arrebatadora e os dolorosos caprichos a que Lavínia, a mulher da foto, o submeterá. Desconhece que aquela nunca nomeada cidade mineradora do interior do Pará, em que situou a história, arderá nas chamas de uma convulsa e perversa organização social.
Tudo isso, Aquino confessou em entrevista. Não como quem se gaba de um método todo particular de produção ou reivindica essa como a mais autêntica das escritas. Não, falou como quem admite uma limitação, mas uma limitação que se processa como sua maior fonte de prazer: "Eu me torno leitor do meu próprio livro e só assim posso viver a emoção junto", diz o autor. E completa, apenas como sugestão: "Exorto todo escritor a se perder dentro de seu texto. É uma delícia".
Que o autor permita a discordância: o processo sem dúvida produz um resultado peculiar, mas que jamais significa uma perda de direção ou de sentido no próprio enredo. Nele, impera a coerência e uma atenção especial aos efeitos de real. Não qualquer realidade, vale observar, e sim a habitual de Aquino, a mesma de "O Invasor" e "Cabeça a Prêmio", coalhada de prostitutas e matadores de aluguel.
Neste novo livro, uma violência crescente que ameaça os personagens e os subjuga a um futuro já previamente existente. "Todos são prisioneiros de uma espécie de destino que vai se cumprir. Em momento nenhum desconhecem que estão à beira do abismo", diz Aquino -lembrando, por uma última vez, que nem ele sabia ao certo que destino era esse.
Quanto aos efeitos de real, marcados por uma profusão de detalhes sobre cenários, circunstâncias e personagens, sempre privilegiando a ação sobre a reflexão, Aquino explica: "Persegui o sonho de todo escritor realista, de querer muito que o leitor acredite que esses personagens existem, que a cidade existe, que a história se passou assim". E finaliza: "A maior ilusão de um ficcionista é achar que ele pode propor algo que a realidade não comporte".
É justamente nos personagens, centro desse desejo por realidade, que o método de escrita de Aquino deixa suas cicatrizes mais profundas. O leitor acompanha as circunvoluções de Lavínia e Cauby, o fotógrafo, suas aproximações e afastamentos, exatamente como quem assiste à trajetória vacilante de pessoas reais, com suas inúmeras incertezas e idiossincrasias. Quanto à trama, similarmente, também reina o imprevisto, alimentado por uma exuberância de acontecimentos.
Na soma de tudo, cumpre-se um desejo antigo de Aquino, de escrever um romance em que prevalecesse a história de amor. Em suas próprias palavras, a premissa e a ressalva que se lhe impôs: "Muito mais do que me prender numa trama oficialesca ou coisa parecida, me interessou falar do amor, examinar alguns tipos de amor. Ocorre que a história se passa num ambiente hostil, e eu tive que entender o que acontece com um caso de amor tão específico diante de uma realidade tão violenta e agressiva".

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios
Autor:
Marçal Aquino
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (232 págs.)


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