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TRÉPLICA
Brown é tido como gênio e piada, mas não é nem um nem outro
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Rústico", segundo os dicionários Aurélio e
Houaiss, é aquilo que nasce e cresce naturalmente, sem precisar de
cuidados especiais. Pode significar também algo impolido, sem
acabamento, sem erudição. Ou
seja, tudo aquilo que pode ser
chamado de natural, instintivo,
que surge sem o pragmatismo das
coisas planejadas e/ou estudadas.
Força rústica, portanto, seria algo que os pontos de candomblé
teriam de sobra, por serem cantos
nascidos espontaneamente e de
forma pura, como o próprio candomblé, religião brasileira criada
por escravos africanos e inicialmente proibida pela Igreja Católica. Sendo assim, o candomblé jamais precisaria de nenhum tipo
de intervenção eletrônica ou atualização para ser interessante nos
dias de hoje ou em qualquer momento histórico. Pelo contrário,
tal intervenção correria o risco de
diminuir a força e o impacto
enorme e fascinante desses cantos
tão naturais e humanos.
E isso foi exatamente o que defendi na pequena crítica do CD
"Carlinhos Brown Presents Candombless" publicada na Ilustrada no dia 7/10. O disco -patrocinado por uma fundação holandesa (o que motivou, na minha crítica, o comentário de que o CD seria uma literal "macumba para
gringo") e produzido por
Brown- traz registros de cantos
de candomblé do Candeal, bairro
de Salvador, na Bahia, onde nasceu e cresceu o percussionista.
Além de produtor, Brown aparece no álbum manipulando efeitos eletrônicos, com a intenção de
"atualizar os pontos de candomblé para uma linguagem contemporânea", segundo consta no material de divulgação da sua distribuidora. No comentário, eu dizia
que "a ancestralidade é interessante; a modernidade, não" e que
"o ar turistoso tira a força rústica
dos cantos originais".
No dia 19/10, o antropólogo
Hermano Vianna escreveu um
texto nesta Ilustrada se dizendo
"irritado" e comentando que,
com minha crítica, eu havia "revelado os meus preconceitos". Ele
ainda questionava meu uso da palavra "rústico" e se alongava apresentando os valores do candomblé da Bahia. Acima de tudo, reclamava da conclusão do texto,
que apresentava um motivo para
o CD não ser ouvido -padrão
nas resenhas negativas publicadas
na seção "Nas Lojas" da Ilustrada
de sexta-feira.
Depois de escutar mais algumas
vezes o disco após a crítica e a réplica, posso afirmar: continuo
certo de que o disco seria excelente não fossem as intervenções de
Brown. O registro dos pontos
mantém viva uma história rica e
fascinante. Os efeitos eletrônicos
de Brown, ainda que discretos,
demonstram egocentrismo.
Não duvido das boas intenções
de Brown na confecção do CD,
mas também não acho que seja o
caso de recomendar o disco "apesar" dos eletrônicos. A mim me
restou dizer que o CD não é tão
bom quanto poderia ser. Como
crítica de arte é sempre algo subjetivo e não-absoluto, qualquer pessoa está convidada a concordar e
discordar à vontade.
Em sua réplica, o antropólogo
atentava também para o fato de
que uma crítica negativa a Brown
seria algo óbvio e esperado na
Ilustrada. A verdade é que Carlinhos Brown é artista tido como
gênio por alguns e como piada
por outros, mas não é nem um
nem outro (ou é os dois, dependendo do ponto de vista): é um
artista excelente, porém dado a
exageros em nome da arte. No seu
CD de compilação de cantos de
candomblé, errou a mão. O que,
se não é óbvio e esperado, também não chega a surpreender.
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