São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

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TRÉPLICA

Brown é tido como gênio e piada, mas não é nem um nem outro

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Rústico", segundo os dicionários Aurélio e Houaiss, é aquilo que nasce e cresce naturalmente, sem precisar de cuidados especiais. Pode significar também algo impolido, sem acabamento, sem erudição. Ou seja, tudo aquilo que pode ser chamado de natural, instintivo, que surge sem o pragmatismo das coisas planejadas e/ou estudadas.
Força rústica, portanto, seria algo que os pontos de candomblé teriam de sobra, por serem cantos nascidos espontaneamente e de forma pura, como o próprio candomblé, religião brasileira criada por escravos africanos e inicialmente proibida pela Igreja Católica. Sendo assim, o candomblé jamais precisaria de nenhum tipo de intervenção eletrônica ou atualização para ser interessante nos dias de hoje ou em qualquer momento histórico. Pelo contrário, tal intervenção correria o risco de diminuir a força e o impacto enorme e fascinante desses cantos tão naturais e humanos.
E isso foi exatamente o que defendi na pequena crítica do CD "Carlinhos Brown Presents Candombless" publicada na Ilustrada no dia 7/10. O disco -patrocinado por uma fundação holandesa (o que motivou, na minha crítica, o comentário de que o CD seria uma literal "macumba para gringo") e produzido por Brown- traz registros de cantos de candomblé do Candeal, bairro de Salvador, na Bahia, onde nasceu e cresceu o percussionista.
Além de produtor, Brown aparece no álbum manipulando efeitos eletrônicos, com a intenção de "atualizar os pontos de candomblé para uma linguagem contemporânea", segundo consta no material de divulgação da sua distribuidora. No comentário, eu dizia que "a ancestralidade é interessante; a modernidade, não" e que "o ar turistoso tira a força rústica dos cantos originais".
No dia 19/10, o antropólogo Hermano Vianna escreveu um texto nesta Ilustrada se dizendo "irritado" e comentando que, com minha crítica, eu havia "revelado os meus preconceitos". Ele ainda questionava meu uso da palavra "rústico" e se alongava apresentando os valores do candomblé da Bahia. Acima de tudo, reclamava da conclusão do texto, que apresentava um motivo para o CD não ser ouvido -padrão nas resenhas negativas publicadas na seção "Nas Lojas" da Ilustrada de sexta-feira.
Depois de escutar mais algumas vezes o disco após a crítica e a réplica, posso afirmar: continuo certo de que o disco seria excelente não fossem as intervenções de Brown. O registro dos pontos mantém viva uma história rica e fascinante. Os efeitos eletrônicos de Brown, ainda que discretos, demonstram egocentrismo.
Não duvido das boas intenções de Brown na confecção do CD, mas também não acho que seja o caso de recomendar o disco "apesar" dos eletrônicos. A mim me restou dizer que o CD não é tão bom quanto poderia ser. Como crítica de arte é sempre algo subjetivo e não-absoluto, qualquer pessoa está convidada a concordar e discordar à vontade.
Em sua réplica, o antropólogo atentava também para o fato de que uma crítica negativa a Brown seria algo óbvio e esperado na Ilustrada. A verdade é que Carlinhos Brown é artista tido como gênio por alguns e como piada por outros, mas não é nem um nem outro (ou é os dois, dependendo do ponto de vista): é um artista excelente, porém dado a exageros em nome da arte. No seu CD de compilação de cantos de candomblé, errou a mão. O que, se não é óbvio e esperado, também não chega a surpreender.


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