São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

Entrevistas com pensadores como Isaac Asimov serviram de base para o filme de Kubrick e serão publicadas neste mês

Prólogo inédito de "2001" sai em livro

ANTHONY BARNES
DO "INDEPENDENT"

É a parte que faltava em um clássico do cinema. Quase quatro décadas atrás, Stanley Kubrick reuniu algumas das mais conhecidas mentes científicas do mundo e pediu que previssem o futuro. As idéias dos cientistas formariam a seqüência de abertura de "2001 -Uma Odisséia no Espaço", épico sobre uma missão a Júpiter que se torna uma batalha de vida e morte entre a tripulação da nave e o computador de bordo HAL 9000.
Mas as entrevistas jamais foram exibidas, e os pensamentos reunidos dos 21 eminentes cientistas pareciam perdidos para sempre. Agora, as reflexões que eles fizeram a convite do cineasta virão a público -serão publicadas neste mês no Reino Unido, provendo aos entusiastas de Kubrick uma nova percepção do filme.
Recluso que morreu aos 70 anos, em 1999, pouco depois de concluir o filme "De Olhos Bem Fechados", Kubrick sentiu-se fascinado durante toda a vida pela possibilidade de que existisse vida extraterrestre inteligente. Ele queria divulgar essa hipótese à audiência como uma premissa para o filme, permitindo que ouvissem, nas palavras dos cientistas, a discussão sobre a possibilidade de existência de culturas extraterrestres benevolentes, a origem da vida e o futuro da humanidade.
As entrevistas, conduzidas em 1966, revelam o pensamento de muitos dos mais importantes cientistas de uma era anterior ao primeiro passeio do homem pela superfície da Lua. Entre os entrevistados, estão o escritor Isaac Asimov, a antropóloga Margaret Mead e os astrônomos Fred Whipple e Bernard Lovell.
Todos concordaram quanto à probabilidade de que existisse vida inteligente em outros planetas, e alguns mencionavam a possibilidade de manipulação genética e de desenvolvimento de computadores "ultra-inteligentes", dotados de traços de personalidade.
O renomado matemático Jack Good sugeriu que o próximo estágio da evolução humana poderia ser a comunicação telepática, idéia aceita por Kubrick ao final de "2001", quando o corpo humano se torna redundante.
Outra entrevistada, Constantine Generales, sugeriu a idéia da internet. O físico Freeman Dyson propôs que um dia colonizássemos cometas, e Asimov falou de colônias em Marte ou Júpiter.
Mas, mesmo para Kubrick, diretor que nunca foi conhecido pela brevidade de seus filmes, tornou-se claro que a obra-prima se tornaria longa demais a menos que a seqüência com as reflexões sobre o futuro fosse eliminada. O diretor nascido nos EUA havia adquirido reputação invejável com trabalhos como "Spartacus", "Lolita" e "Dr. Fantástico", mas "2001" constituiu um desafio para muitos espectadores de cinema, quando lançado, em 1968. Ainda que fascinados pela visão artística exposta na tela, que influenciou numerosos filmes de ficção científica, eles consideravam o filme difícil de interpretar.
Arthur C. Clarke, co-roteirista de "2001" e autor de "Sentinel", o conto que inspirou o filme, chegou a admitir que, "se você compreendeu o filme completamente, quer dizer que nós fracassamos. Queríamos muito mais suscitar questões do que respondê-las".
Kubrick, que cuidou da direção, do roteiro e da produção de quase todos os seus filmes, se sentia intrigado quanto à possibilidade de outras formas de vida e estava decepcionado por o mundo do cinema ter até ali tratado a ficção científica sempre na forma de monstros espaciais sanguinários interessados em atacar a Terra.
Tony Frewin, por 25 anos assistente do cineasta, disse que "quando começou a pré-produção de "2001", em 1965, a posição da ficção científica no cinema era em geral a idéia de Flash Gordon, Buck Rogers, monstros de olhos esbugalhados e ataques de marcianos. Quando Stanley decidiu que desejava fazer um filme de ficção científica futurista sobre vida extraterrestre, se preocupava com a possibilidade de que vissem o trabalho apenas como mais um filme de monstros do espaço".
"Assim, o que ele decidiu fazer foi entrevistar 21 cientistas para um prólogo que demonstraria que estudar a possibilidade de vida extraterrestre era uma questão científica válida. Antes disso, se você falasse de inteligência extraterrestre, as pessoas pensavam em discos voadores e bobagens do tipo. Mas o filme foi se tornando cada vez mais longo, não haveria tempo para o prólogo; o filme teria de funcionar sem ajuda. A idéia foi eliminada."
Ainda que tudo isso se tenha passado há muito tempo, Frewin queria localizar o prólogo para incluí-lo em uma nova versão em DVD, lançada em 2001, mas, a despeito de uma extensa busca, não encontrou nem traço do material. Ele acredita que seja provável que uma cópia ainda exista, talvez identificada por rótulo errado e perdida entre rolos e rolos de filme em um laboratório. "Stanley não descartaria esse material nem o destruiria. Nunca jogava coisas fora. Guardava até canhotos de cheques dos anos 40", disse.
No entanto, durante a busca, ele encontrou transcrições das entrevistas, preparadas por Vicky Ward, secretária de Kubrick, para ajudá-lo na edição. Frewin as editou para um livro de entrevistas que sai em Londres no próximo dia 8 ("Are We Alone? The Stanley Kubrick Extraterrestrial Intelligence Interviews", editora Elliott & Thompson). Alguns dos entrevistados releram seus comentários originais e depuseram a respeito, passados quase 40 anos. O professor Good confirmou o que havia dito, incluindo sua sugestão de que os computadores talvez venham a desenvolver traços de personalidade. "Meu Windows mente e muitas vezes me força a desligar a máquina contra minha vontade. Comportamento assim seria considerado neurótico em um homem."
Um possível entrevistado que não participou do projeto foi o astrônomo Carl Sagan, que mais tarde ganhou fama com o livro "Cosmos" e uma série de TV derivada. Convidado, ele disse que queria controlar a edição de sua entrevista e pediu uma porcentagem nos lucros do filme. Seu pedido foi rejeitado.


Tradução Paulo Migliacci

Texto Anterior: Palestra: Mantovani fala sobre roteiro de cinema
Próximo Texto: Universidade londrina abriga coleção do diretor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.