São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

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MEMÓRIA

Perto dos 80 anos, o rei da comédia lança "Dean and Me", livro em que conta a história da dupla nos anos 40 e 50

Jerry Lewis revive parceria com Dean Martin

TODD S. PURDUM
DO "NEW YORK TIMES"

No alto do Waldorf Towers, em Manhattan, o rei da comédia talvez esteja se aproximando do seu 80º aniversário, mas dentro dele um menino de nove anos segue vivo, e bem. "Sabe o que eu fiz agorinha mesmo?", pergunta ele, com seu sorriso dentuço inconfundível. "Saí nu ao corredor. E aí bati à porta de uma senhora, e ela abriu a porta, e..." É esse o momento em que a piada se torna impublicável. Jerry Lewis de repente faz silêncio e diz: "Você não acredita de verdade que eu tenha feito isso, acredita?". Não, mas poderia ter feito, e com certeza o fez, em algum momento da vida.
Sessenta anos depois que começou a carreira com números malucos de mímica ao som dos discos mais populares da era, no clube nova-iorquino Glass Hat; quase 50 anos depois do amargo fim de sua parceria milionária com Dean Martin; e quase quatro anos depois que a fibrose pulmonar quase o derrotou, Lewis está de volta a Manhattan.
A missão dele: uma turnê nacional de lançamento de seu livro de memórias, "Dean and Me: A Love Story" (ed. Doubleday, 352 págs., US$ 26,95), relato ácido e pungente sobre os dez anos de parceria entre os dois, a famosa disputa que os levou a uma separação e as duas décadas de hesitante reconciliação, até que a morte levasse Martin no dia de Natal de 1995.
"Escrevi a primeira página no dia em que meu parceiro morreu", diz Lewis, que chupa uma pastilha para aliviar a garganta seca -um efeito colateral dos remédios para os pulmões- e mexe nos fones de ouvido do gravador digital que usa como aparelho auditivo improvisado. "Eu queria registrar algumas coisas. Estava tentando enfrentar o meu pesar."
O co-autor de Lewis é James Kaplan, que o ajudou a transformar suas mil páginas datilografadas de lembranças (e mais de 300 páginas de transcrição de entrevistas) em um texto que combina memória, auto-análise e conjecturas.
O livro é um retrato de uma era esquecida em que a máfia dirigia clubes noturnos nos quais adultos bem vestidos assistiam a apresentações às três da manhã, e em que dois sujeitos que haviam desenvolvido talvez o último grande número de vaudeville da história ainda eram capazes de conquistar o mundo. Ao longo da primeira metade dos anos 50, Martin e Lewis estiveram entre as maiores bilheterias do cinema, produziram uma série televisiva de sucesso e se viraram um fenômeno cultural.
A química era simples e forte: o cantor seguro de si e o comediante endiabrado, o polido irmão mais velho e o moleque aloucado. Nos números ao vivo, Lewis improvisava sem parar, jogava água na audiência ou apagava as luzes da sala, enquanto Martin simplesmente sorria e continuava cantando, com o rosto iluminado pela chama de seu Zippo folheado a ouro. Ainda hoje, Lewis encontra dificuldades para explicar a mágica especial que os unia.
"A mesma coisa acontecia com os Beatles", disse. "É muito difícil para qualquer pessoa, primeiro, definir o que eles faziam, e segundo, o efeito que tiveram sobre o mundo. Nós surgimos no cenário com um número de comédia que, todos diziam, tinha o melhor timing do mercado", na aurora da Guerra Fria, em 1946.
Dez anos mais tarde, estava tudo acabado. Martin, cujo nome vinha em primeiro lugar nos créditos, se cansou de ser "escada", e Lewis, que cuidava dos negócios da dupla, estava cansado da relutância de seu parceiro em estender o alcance de suas atividades. Os dois criaram carreiras solo de sucesso, mas Lewis continua a parecer preocupado, ou até mesmo culpado, por Martin não ter recebido reconhecimento na época.
"Dean não se preocupava com rejeição; estava acima disso. Chorava discretamente quando alguma coisa magoava seu coração. O mais importante é que as pessoas jamais perceberam a profundidade de seu talento, o que sempre foi causa de frustração para mim."
Depois de 20 anos sem se falarem, os dois se reuniram no palco em 1976, em um programa de TV, mas uma reaproximação real só ocorreu após a morte de Dino, o filho de Martin, em um acidente de avião em 1987.
Em uma conversa que durou 90 minutos, Lewis saiu pela tangente diversas vezes, disparando monólogos sobre assuntos como o declínio da televisão ("essa caixa é responsável por levar muita gente a dormir mais cedo; também é responsável pela insônia") e os humoristas mais jovens que admira (Billy Crystal, Paul Reiser), passando pelo riso em si. ("Você vive dez anos mais se rir uma vez por dia. Ou se force a rir ou procure motivo no mais insano laboratório do mundo, o público.")
Ele diz que ao menos uma coisa é melhor hoje do que nos velhos dias: ele. "Isso se baseia na idade, e no fato de que sou mais tolerante do que jamais havia sido."


Tradução Paulo Migliacci

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