|
Texto Anterior | Índice
MEMÓRIA
Perto dos 80 anos, o rei da comédia lança "Dean and Me", livro em que conta a história da dupla nos anos 40 e 50
Jerry Lewis revive parceria com Dean Martin
TODD S. PURDUM
DO "NEW YORK TIMES"
No alto do Waldorf Towers, em
Manhattan, o rei da comédia talvez esteja se aproximando do seu
80º aniversário, mas dentro dele
um menino de nove anos segue
vivo, e bem. "Sabe o que eu fiz
agorinha mesmo?", pergunta ele,
com seu sorriso dentuço inconfundível. "Saí nu ao corredor. E aí
bati à porta de uma senhora, e ela
abriu a porta, e..." É esse o momento em que a piada se torna
impublicável. Jerry Lewis de repente faz silêncio e diz: "Você não
acredita de verdade que eu tenha
feito isso, acredita?". Não, mas
poderia ter feito, e com certeza o
fez, em algum momento da vida.
Sessenta anos depois que começou a carreira com números malucos de mímica ao som dos discos mais populares da era, no clube nova-iorquino Glass Hat; quase 50 anos depois do amargo fim
de sua parceria milionária com
Dean Martin; e quase quatro anos
depois que a fibrose pulmonar
quase o derrotou, Lewis está de
volta a Manhattan.
A missão dele: uma turnê nacional de lançamento de seu livro de
memórias, "Dean and Me: A Love
Story" (ed. Doubleday, 352 págs.,
US$ 26,95), relato ácido e pungente sobre os dez anos de parceria
entre os dois, a famosa disputa
que os levou a uma separação e as
duas décadas de hesitante reconciliação, até que a morte levasse
Martin no dia de Natal de 1995.
"Escrevi a primeira página no
dia em que meu parceiro morreu", diz Lewis, que chupa uma
pastilha para aliviar a garganta seca -um efeito colateral dos remédios para os pulmões- e mexe nos fones de ouvido do gravador digital que usa como aparelho
auditivo improvisado. "Eu queria
registrar algumas coisas. Estava
tentando enfrentar o meu pesar."
O co-autor de Lewis é James Kaplan, que o ajudou a transformar
suas mil páginas datilografadas de
lembranças (e mais de 300 páginas de transcrição de entrevistas)
em um texto que combina memória, auto-análise e conjecturas.
O livro é um retrato de uma era
esquecida em que a máfia dirigia
clubes noturnos nos quais adultos
bem vestidos assistiam a apresentações às três da manhã, e em que
dois sujeitos que haviam desenvolvido talvez o último grande
número de vaudeville da história
ainda eram capazes de conquistar
o mundo. Ao longo da primeira
metade dos anos 50, Martin e Lewis estiveram entre as maiores bilheterias do cinema, produziram
uma série televisiva de sucesso e
se viraram um fenômeno cultural.
A química era simples e forte: o
cantor seguro de si e o comediante endiabrado, o polido irmão
mais velho e o moleque aloucado.
Nos números ao vivo, Lewis improvisava sem parar, jogava água
na audiência ou apagava as luzes
da sala, enquanto Martin simplesmente sorria e continuava cantando, com o rosto iluminado pela chama de seu Zippo folheado a
ouro. Ainda hoje, Lewis encontra
dificuldades para explicar a mágica especial que os unia.
"A mesma coisa acontecia com
os Beatles", disse. "É muito difícil
para qualquer pessoa, primeiro,
definir o que eles faziam, e segundo, o efeito que tiveram sobre o
mundo. Nós surgimos no cenário
com um número de comédia que,
todos diziam, tinha o melhor timing do mercado", na aurora da
Guerra Fria, em 1946.
Dez anos mais tarde, estava tudo acabado. Martin, cujo nome
vinha em primeiro lugar nos créditos, se cansou de ser "escada", e
Lewis, que cuidava dos negócios
da dupla, estava cansado da relutância de seu parceiro em estender o alcance de suas atividades.
Os dois criaram carreiras solo de
sucesso, mas Lewis continua a parecer preocupado, ou até mesmo
culpado, por Martin não ter recebido reconhecimento na época.
"Dean não se preocupava com
rejeição; estava acima disso. Chorava discretamente quando alguma coisa magoava seu coração. O
mais importante é que as pessoas
jamais perceberam a profundidade de seu talento, o que sempre foi
causa de frustração para mim."
Depois de 20 anos sem se falarem, os dois se reuniram no palco
em 1976, em um programa de TV,
mas uma reaproximação real só
ocorreu após a morte de Dino, o
filho de Martin, em um acidente
de avião em 1987.
Em uma conversa que durou 90
minutos, Lewis saiu pela tangente
diversas vezes, disparando monólogos sobre assuntos como o declínio da televisão ("essa caixa é
responsável por levar muita gente
a dormir mais cedo; também é
responsável pela insônia") e os
humoristas mais jovens que admira (Billy Crystal, Paul Reiser),
passando pelo riso em si. ("Você
vive dez anos mais se rir uma vez
por dia. Ou se force a rir ou procure motivo no mais insano laboratório do mundo, o público.")
Ele diz que ao menos uma coisa
é melhor hoje do que nos velhos
dias: ele. "Isso se baseia na idade, e
no fato de que sou mais tolerante
do que jamais havia sido."
Tradução Paulo Migliacci
Texto Anterior: Fernando Bonassi: Indefinição de ato obsceno Índice
|