São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO BONASSI

Indefinição de ato obsceno

Considerando que uns beijos homossexuais parecem incomodar mais as autoridades delegadas do que a cômoda facilidade (ou imunidade) conquistada pelos arrochos dos bandidos profissionais (ou eleitorais), vimos por meio desta fazer algumas perguntas diletantes aos demais cidadãos ignorantes:
Que obscenidade é essa em que todos estão vestidos a caráter, são educados nas excelências das universidades públicas, rezam conforme a música privada das paradas passivas e dançam de acordo com as saraivadas das balas perdidas que a polícia lhes atira nos pés (se forem brancos) ou na cabeça (se forem pretos)?
Não pode ser obsceno exportar nossos próprios bem duráveis e produzir bens semiduráveis, não duráveis, ou porcarias mesmo para um mercado de internos de hospício? Se todos já nascem pelados, estressados e devendo, que pai, ou país, pagará por eles enquanto forem esses gêmeos da indigência?
E quando os ratos de esgoto tornam-se bodes expiatórios e posam como vacas de presépio? Por que a febre aftosa nas carnes tenras dos bovinos parece mais tenebrosa do que a raivosa penitência dos meninos nas cadeias de produção da violência?
A televisão comercial não devia ter a dignidade de se desligar diante do mal que tantas histórias de amor convencional difundem entre os distintos e defuntos telespectadores?
Não pode ser obsceno um partido de pastores, transformando as ovelhas em eleitores, cujas orelhas sejam moucas, ou poucas, para ouvirem as mensagens de transformação desse mundo de seu Deus?
Se o orçamento não dá e a conta não fecha, por que devemos repetir tantas vezes todos os anos os danos desses quinhentos e tantos anos de ressentimento contabilizado?
Por que são sempre os caretas e os lesados os mais preocupados com os corpos alheios que se aquecem do que com a frieza das suas próprias palavras decorosas e atos impensados?
Até quando a zona oeste de uns será o contra exemplo da zona leste dos outros, nesses pontos cardeais desiguais e academias estaduais de cepa francesa? O que elas ensinam à respeito, senão à despeito, da revolução que as tornaram possíveis e passíveis de serem reacionárias?
Misturar propaganda institucional e conhecimento formal será mesmo o único legado dos bedéis e delegados desse ensino?
Qual é a ciência e o nome verdadeiro dos traficantes que nos apresentam essas drogas chutadas e essas estatísticas vencidas? Qual será a melhor esfera de atuação dos assaltantes: as carteiras afanadas nas esquinas ou as leis estudadas nos livros das estantes?
Pode ser que os conselhos de ética não tenham mais conselhos à dar, ou prefiram cobrar por eles, já que não são baratos e dependem dos tratos dos acionistas e da influência dos lobistas... Por falar nisso, o que pode ser mais obsceno: o que fazem esses times cinematográficos de atravessadores de emendas parlamentares imorais ou os intercursos sexuais dos filmes pornográficos? E as cuecas? Serão sempre mais obscenas que os seus conteúdos? Quem poderá afirmar com certeza em meio à tanta dúvida, esperteza e confusão?!
Que garota de programa será mais escandalosa nas suas propostas do que a prostituição pecaminosa dos valores dos programas dos partidos? À propósito: que valores estaremos transmitindo com toda essa sacanagem moralista?
Por que um homem não pode beijar outro homem na boca? Mulher pode? Em que circunstâncias? Qual pode ser a intenção de quem faz a proibição? Só não pode homem com homem nem mulher com mulher? O saudoso e manhoso Tim Maia estaria brincando ou falando sério quando compôs uma obra como essa?! O que dizer desses beijinhos de judas, ou mordidas de vampiros, no bolso, ou pescoço furado dos aflitos?
E se forem dois russos se cumprimentando?
E o que dizer desse alheamento e desse sono pesado com que os juizes justos dormem escondidos enquanto vendem penalidades máximas e escanteios esquisitos?
O fato é que certas aposentadorias podem ser mais obscenas que as orgias dos romances de cavalaria escritos por sádicos masoquistas!
A burrice precisa prevalecer sobre a inteligência? A inocência não pode ser considerada experiência? Os velhos não deviam ter a vergonha na cara de saber se retirar com o rabo entre as pernas?
E não venham nos dizer que esses erros repetidos são sempre sem querer, porque são, isso sim, os jeitos de um poder que quer ficar, estacionar, se repetir e eternizar os seus machos e cachos.
Aliás, é sempre bom lembrar que as maiores obscenidades não são praticadas às claras, mas por mulas obscuras contratadas para carregar malas recheadas de segredos mal cheirosos e desejos inconfessáveis...
Perguntar por isso ofende quais compromissos?


@ - fbonassi@uol.com.br

Texto Anterior: Música: BNegão reafirma sua liberdade em entrevista
Próximo Texto: Memória: Jerry Lewis revive parceria com Dean Martin
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.