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FERNANDO BONASSI
Indefinição de ato obsceno
Considerando que uns
beijos homossexuais parecem incomodar mais as autoridades delegadas do que a cômoda
facilidade (ou imunidade) conquistada pelos arrochos dos bandidos profissionais (ou eleitorais),
vimos por meio desta fazer algumas perguntas diletantes aos demais cidadãos ignorantes:
Que obscenidade é essa em que
todos estão vestidos a caráter, são
educados nas excelências das universidades públicas, rezam conforme a música privada das paradas passivas e dançam de acordo
com as saraivadas das balas perdidas que a polícia lhes atira nos
pés (se forem brancos) ou na cabeça (se forem pretos)?
Não pode ser obsceno exportar
nossos próprios bem duráveis e
produzir bens semiduráveis, não
duráveis, ou porcarias mesmo para um mercado de internos de
hospício? Se todos já nascem pelados, estressados e devendo, que
pai, ou país, pagará por eles enquanto forem esses gêmeos da indigência?
E quando os ratos de esgoto tornam-se bodes expiatórios e posam como vacas de presépio? Por
que a febre aftosa nas carnes tenras dos bovinos parece mais tenebrosa do que a raivosa penitência dos meninos nas cadeias de
produção da violência?
A televisão comercial não devia
ter a dignidade de se desligar
diante do mal que tantas histórias de amor convencional difundem entre os distintos e defuntos
telespectadores?
Não pode ser obsceno um partido de pastores, transformando as
ovelhas em eleitores, cujas orelhas
sejam moucas, ou poucas, para
ouvirem as mensagens de transformação desse mundo de seu
Deus?
Se o orçamento não dá e a conta
não fecha, por que devemos repetir tantas vezes todos os anos os
danos desses quinhentos e tantos
anos de ressentimento contabilizado?
Por que são sempre os caretas e
os lesados os mais preocupados
com os corpos alheios que se
aquecem do que com a frieza das
suas próprias palavras decorosas
e atos impensados?
Até quando a zona oeste de uns
será o contra exemplo da zona
leste dos outros, nesses pontos cardeais desiguais e academias estaduais de cepa francesa? O que elas
ensinam à respeito, senão à despeito, da revolução que as tornaram possíveis e passíveis de serem
reacionárias?
Misturar propaganda institucional e conhecimento formal será mesmo o único legado dos bedéis e delegados desse ensino?
Qual é a ciência e o nome verdadeiro dos traficantes que nos
apresentam essas drogas chutadas e essas estatísticas vencidas?
Qual será a melhor esfera de
atuação dos assaltantes: as carteiras afanadas nas esquinas ou as
leis estudadas nos livros das estantes?
Pode ser que os conselhos de ética não tenham mais conselhos à
dar, ou prefiram cobrar por eles,
já que não são baratos e dependem dos tratos dos acionistas e da
influência dos lobistas... Por falar
nisso, o que pode ser mais obsceno: o que fazem esses times cinematográficos de atravessadores
de emendas parlamentares imorais ou os intercursos sexuais dos
filmes pornográficos? E as cuecas?
Serão sempre mais obscenas que
os seus conteúdos? Quem poderá
afirmar com certeza em meio à
tanta dúvida, esperteza e confusão?!
Que garota de programa será
mais escandalosa nas suas propostas do que a prostituição pecaminosa dos valores dos programas dos partidos? À propósito:
que valores estaremos transmitindo com toda essa sacanagem
moralista?
Por que um homem não pode
beijar outro homem na boca?
Mulher pode? Em que circunstâncias? Qual pode ser a intenção de
quem faz a proibição? Só não pode homem com homem nem mulher com mulher? O saudoso e
manhoso Tim Maia estaria brincando ou falando sério quando
compôs uma obra como essa?! O
que dizer desses beijinhos de judas, ou mordidas de vampiros, no
bolso, ou pescoço furado dos aflitos?
E se forem dois russos se cumprimentando?
E o que dizer desse alheamento
e desse sono pesado com que os
juizes justos dormem escondidos
enquanto vendem penalidades
máximas e escanteios esquisitos?
O fato é que certas aposentadorias podem ser mais obscenas que
as orgias dos romances de cavalaria escritos por sádicos masoquistas!
A burrice precisa prevalecer sobre a inteligência? A inocência
não pode ser considerada experiência? Os velhos não deviam ter
a vergonha na cara de saber se retirar com o rabo entre as pernas?
E não venham nos dizer que esses erros repetidos são sempre sem
querer, porque são, isso sim, os
jeitos de um poder que quer ficar,
estacionar, se repetir e eternizar
os seus machos e cachos.
Aliás, é sempre bom lembrar
que as maiores obscenidades não
são praticadas às claras, mas por
mulas obscuras contratadas para
carregar malas recheadas de segredos mal cheirosos e desejos inconfessáveis...
Perguntar por isso ofende quais
compromissos?
@ - fbonassi@uol.com.br
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