Pouco inspirado, "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" agrada por estilo do cineasta

RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA

Não existe algo como "um filme ruim de Woody Allen". Se existisse, "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" seria um deles. Logo ali ao lado de "Melinda & Melinda", "Celebridade" e alguns outros.
Mesmo nos momentos menos inspirados da obra de Allen, como neste novo filme, há sempre uma piada brilhante, um "insight" profundo sobre o amor, a morte ou o cinema escondido por trás de uma tirada banal.
A princípio, "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" parece um trabalho mais ambicioso dentro da obra recente de Allen, um filme com cinco ou seis protagonistas, interpretados por atores famosos em Londres.
Tudo começa por Alfie (Anthony Hopkins) e Helena (Gemma Jones). O casal se separa no início do filme. Ele se vicia em ginástica e se casa com uma prostituta. Ela tenta o suicídio e quer se reerguer seguindo os conselhos de uma vidente.
Sally (Naomi Watts), filha do casal, também enfrenta problemas em seu relacionamento com o escritor Roy (Josh Brolin). Ela se apaixona por seu chefe, Greg (Antonio Banderas), dono de uma galeria. Ele fica obcecado por sua vizinha Dia (Freida Pinto), enquanto espera a resposta sobre a publicação de um novo romance.
Mas a ambição anunciada por Allen fica apenas no tamanho da ciranda afetiva que ele criou. O cineasta toca o filme de maneira um tanto burocrática e desanimada.
Desta vez, ele desiste até de incorporar o cenário londrino à ação, como fez em "Match Point" ou "O Sonho de Cassandra", e encena sua história em ambientes fechados como se montasse uma modesta peça de câmara.
Seu filme anterior, "Tudo Pode Dar Certo", passado em Nova York, era bastante superior. O que fez uma parte da crítica se apressar a dizer que ele se sentia mais confortável filmando em casa -sem se dar conta de que o filme antes desse, "Vicky Cristina Barcelona", também era excelente, mesmo filmado na Espanha.
A verdade é que um filme de Woody Allen será um filme de Woody Allen em qualquer lugar que seja filmado. Mesmo seus filmes bergmanianos nunca deixam de ser, sobretudo, allenianos.
O cenário não importa, e sim a inspiração. Em "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos", ela não é das maiores. Mas, como de hábito em Allen, há pelo menos duas cenas memoráveis: uma em que Sally revela sua paixão a Greg e ele finge que está ouvindo algo completamente diferente; outra em que Helena obriga seu novo namorado a pedir permissão para a relação à mulher morta, numa sessão espírita.

ACASO E DESTINO
Por trás da sempre competente comédia de costumes, Allen coloca mais uma vez as questões centrais de sua obra: o confronto entre acaso e destino, razão e crença.
Neste filme, Allen se mostra especialmente pessimista, até mesmo cruel com seus personagens.
Ele poupa apenas Helena, a única ingênua, sem cinismo, disposta a acreditar em tudo o que a vidente lhe diz.
A moral está ali pelo fim da história: as ilusões podem curar melhor do que os remédios; a crença, seja qual for ela, é o placebo definitivo.