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CURTA HUMBERTO MAURO
Coletânea desfaz mito do "bom selvagem da cinematografia"
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Mais cedo ou mais tarde, o
cinema brasileiro terá de se
entender com os dois grandes nomes do seu classicismo, Humberto Mauro e Mário Peixoto.
Dos dois, é inegável reconhecer,
Mário é quem emplacou. Mauro
acabou numa espécie de limbo, tido como uma espécie de bom selvagem da cinematografia.
Essa imagem injusta pode ser
avaliada nos seis curtas que constituem o quarto programa da série "Curta Petrobras às Seis" (de
hoje a 21 de dezembro, no Espaço
Unibanco).
Com efeito, Mauro era um cineasta simples -o que não significa simplório-, valorizava a eficácia em detrimento da firula,
aquilo que mostrava antes do ato
de mostrar. Pode-se atravessar de
"Um Apólogo - Machado de Assis" (1939), o mais antigo filme da
série, a "Carro de Bois"(1974), seu
último trabalho, sem encontrar
uma única firula, um único momento de auto-encantamento.
Dos cinco filmes programados
(os demais são "Cantos do Trabalho", de 1955, "Meus Oito Anos",
de 1956, e "A Velha a Fiar", de
1964), quatro foram realizados na
época do Ince (Instituto Nacional
de Cinema Educativo).
Apenas o primeiro traz a marca
da gestão Roquette Pinto, fundador do órgão: um prólogo eminentemente didático sobre Machado de Assis, seguido da representação de "Um Apólogo" (até
hoje, a melhor versão cinematográfica já feita de um texto de Machado).
Os demais pertencem à segunda
época e caracterizam um momento mais pessoal da passagem
de Mauro pelo instituto, em que
se dedicou sobretudo à ilustração
de canções brasileiras (uma espécie de videoclipes "avant la lettre").
Se em alguns deles ("Meus Oito
Anos", em particular) a idéia de
saudade se impõe, a obra-prima
da série é, sem dúvida, "A Velha a
Fiar": notável reflexão sobre o ciclo da vida a partir de uma canção
infantil, em que o humor da música se deixa atravessar pelo sentimento da aproximação da morte.
"Carro de Bois" de 1974 (fotografado por Murilo Salles) retoma
um motivo recorrente em Mauro,
que por diversas vezes colocou
em relevo esse instrumento. Ele
entra como duplo do próprio diretor, neste filme-testamento, o
único feito em cores por Mauro,
em que o velho instrumento é
paulatinamente desmontado.
Metáfora evidente de um tempo
que já havia reduzido Mauro a peça de museu, este último "Carro
de Bois" resume uma estética de
rigorosa simplicidade, em que as
coisas precedem o olhar sobre
elas e o cineasta é apenas aquele
que abre uma paisagem à contemplação do espectador. Não é,
decididamente, o trabalho de um
bom selvagem que se poderá ver.
Curta Petrobras às Seis -
Humberto Mauro
Direção: Humberto Mauro
Produção: A Velha a Fiar (64), Carro de
Bois (74), Um Apólogo - Machado de
Assis (39), Cantos do Trabalho (55) e
Meus Oito Anos (56)
Quando: de hoje a 21 de dezembro,
sempre às 18h, no Espaço Unibanco
Quanto: entrada franca
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