São Paulo, sexta-feira, 01 de dezembro de 2000

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CURTA HUMBERTO MAURO
Coletânea desfaz mito do "bom selvagem da cinematografia" INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Mais cedo ou mais tarde, o cinema brasileiro terá de se entender com os dois grandes nomes do seu classicismo, Humberto Mauro e Mário Peixoto.
Dos dois, é inegável reconhecer, Mário é quem emplacou. Mauro acabou numa espécie de limbo, tido como uma espécie de bom selvagem da cinematografia.
Essa imagem injusta pode ser avaliada nos seis curtas que constituem o quarto programa da série "Curta Petrobras às Seis" (de hoje a 21 de dezembro, no Espaço Unibanco).
Com efeito, Mauro era um cineasta simples -o que não significa simplório-, valorizava a eficácia em detrimento da firula, aquilo que mostrava antes do ato de mostrar. Pode-se atravessar de "Um Apólogo - Machado de Assis" (1939), o mais antigo filme da série, a "Carro de Bois"(1974), seu último trabalho, sem encontrar uma única firula, um único momento de auto-encantamento.
Dos cinco filmes programados (os demais são "Cantos do Trabalho", de 1955, "Meus Oito Anos", de 1956, e "A Velha a Fiar", de 1964), quatro foram realizados na época do Ince (Instituto Nacional de Cinema Educativo).
Apenas o primeiro traz a marca da gestão Roquette Pinto, fundador do órgão: um prólogo eminentemente didático sobre Machado de Assis, seguido da representação de "Um Apólogo" (até hoje, a melhor versão cinematográfica já feita de um texto de Machado).
Os demais pertencem à segunda época e caracterizam um momento mais pessoal da passagem de Mauro pelo instituto, em que se dedicou sobretudo à ilustração de canções brasileiras (uma espécie de videoclipes "avant la lettre").
Se em alguns deles ("Meus Oito Anos", em particular) a idéia de saudade se impõe, a obra-prima da série é, sem dúvida, "A Velha a Fiar": notável reflexão sobre o ciclo da vida a partir de uma canção infantil, em que o humor da música se deixa atravessar pelo sentimento da aproximação da morte.
"Carro de Bois" de 1974 (fotografado por Murilo Salles) retoma um motivo recorrente em Mauro, que por diversas vezes colocou em relevo esse instrumento. Ele entra como duplo do próprio diretor, neste filme-testamento, o único feito em cores por Mauro, em que o velho instrumento é paulatinamente desmontado.
Metáfora evidente de um tempo que já havia reduzido Mauro a peça de museu, este último "Carro de Bois" resume uma estética de rigorosa simplicidade, em que as coisas precedem o olhar sobre elas e o cineasta é apenas aquele que abre uma paisagem à contemplação do espectador. Não é, decididamente, o trabalho de um bom selvagem que se poderá ver.


Curta Petrobras às Seis - Humberto Mauro
     Direção: Humberto Mauro Produção: A Velha a Fiar (64), Carro de Bois (74), Um Apólogo - Machado de Assis (39), Cantos do Trabalho (55) e Meus Oito Anos (56) Quando: de hoje a 21 de dezembro, sempre às 18h, no Espaço Unibanco Quanto: entrada franca




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