São Paulo, sexta-feira, 01 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"OS HERDEIROS"
Diretor austríaco condena o campo ao ciclo ancestral de brutalidade e violência

TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No campo, dizia um personagem do romancista austríaco Thomas Bernhard, a brutalidade e a violência são a base de tudo. Por isso os crimes urbanos não são nada se comparados aos do campo. Médico rural, esse personagem sentia-se mover o tempo todo num mundo de criminosos. É essa atmosfera rural virulenta e degenerescente dos romances de Bernhard que reencontramos em "Os Herdeiros".
O roteirista e diretor Stefan Ruzowitzky retoma aqui mais um desses ciclos de morte que se costuma traçar quando o tema é a disputa pela terra. É o que anuncia o personagem-narrador quando, num dia mais esquisito do que os demais, o patrão latifundiário aparece morto no pátio da fazenda: "Sempre que alguém morre, acaba aparecendo outro morto".
O nome desse narrador, Severin(o), serve para lembrar que esses ciclos se repetem por toda parte. Severin está qualificado para nos narrar a história, porque ele é apenas um forasteiro que resolveu levar sua "vida e morte severina" por essas bandas. Mas, ainda que não seja nativo, esse camponês inofensivo que gosta de conversar com as vacas torna-se um dos beneficiados pelo "testamento-provocação" do senil proprietário assassinado.
Este nutria tamanho ódio pelos de sua classe que resolveu legar os seus bens a empregados a quem igualmente desprezava. Entre eles, Luckás, um bastardo analfabeto e folgazão que acaba por personificar, em sua sina, o ciclo de "Os Herdeiros".
No filme, tal como nos romances de Bernhard, a sociedade rural austríaca não sobrevive a um olhar mais detido. Mas, enquanto Bernhard aproveita a ocasião para escancarar as patologias de uma sociedade cuja tradição é tanto católica quanto nacional-socialista (nazista), Ruzowitzky limita-se ao costumeiro mote da luta de classes, evitando colocar o dedo nas feridas nacionais.
No entanto, ainda que privilegie o processo de conscientização dos camponeses-tornados-proprietários, Ruzowitzky, em sua verve naturalista, não faz mais do que equiparar todas as classes à brutalidade e venalidade própria do meio social, condenando cada personagem a cumprir a sua sina, a ser fiel à índole de capataz ou prostituta.
Estão todos condenados ao (ancestral) ciclo de violência, tal como o personagem do capataz autoritário (que bate ostensivamente nos camponeses e apanha humildemente dos proprietários), incapaz de se desvencilhar de sua posição (sadomasô) de "pelego".


Os Herdeiros
Die Siebtelbauern
    Direção: Stefan Ruzowitzky Produção: Áustria, 1997 Com: Simon Schwarz, Sophie Rois, Lars Rudolph, Julia Geschnitzer Quando: a partir de hoje no Top Cine




Texto Anterior: Curta Humberto Mauro: Coletânea desfaz mito do "bom selvagem da cinematografia"
Próximo Texto: Rádio: Aficionados em rock estão de cabelo em pé
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.