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"OS HERDEIROS"
Diretor austríaco condena o campo ao ciclo ancestral de brutalidade e violência
TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
No campo, dizia um personagem do romancista austríaco Thomas Bernhard, a brutalidade e a violência são a base de
tudo. Por isso os crimes urbanos
não são nada se comparados aos
do campo. Médico rural, esse personagem sentia-se mover o tempo todo num mundo de criminosos. É essa atmosfera rural virulenta e degenerescente dos romances de Bernhard que reencontramos em "Os Herdeiros".
O roteirista e diretor Stefan Ruzowitzky retoma aqui mais um
desses ciclos de morte que se costuma traçar quando o tema é a
disputa pela terra. É o que anuncia o personagem-narrador quando, num dia mais esquisito do que
os demais, o patrão latifundiário
aparece morto no pátio da fazenda: "Sempre que alguém morre,
acaba aparecendo outro morto".
O nome desse narrador, Severin(o), serve para lembrar que esses
ciclos se repetem por toda parte.
Severin está qualificado para nos
narrar a história, porque ele é apenas um forasteiro que resolveu levar sua "vida e morte severina"
por essas bandas. Mas, ainda que
não seja nativo, esse camponês
inofensivo que gosta de conversar
com as vacas torna-se um dos beneficiados pelo "testamento-provocação" do senil proprietário assassinado.
Este nutria tamanho ódio pelos
de sua classe que resolveu legar os
seus bens a empregados a quem
igualmente desprezava. Entre
eles, Luckás, um bastardo analfabeto e folgazão que acaba por personificar, em sua sina, o ciclo de
"Os Herdeiros".
No filme, tal como nos romances de Bernhard, a sociedade rural
austríaca não sobrevive a um
olhar mais detido. Mas, enquanto
Bernhard aproveita a ocasião para escancarar as patologias de
uma sociedade cuja tradição é
tanto católica quanto nacional-socialista (nazista), Ruzowitzky limita-se ao costumeiro mote da
luta de classes, evitando colocar o
dedo nas feridas nacionais.
No entanto, ainda que privilegie
o processo de conscientização dos
camponeses-tornados-proprietários, Ruzowitzky, em sua verve
naturalista, não faz mais do que
equiparar todas as classes à brutalidade e venalidade própria do
meio social, condenando cada
personagem a cumprir a sua sina,
a ser fiel à índole de capataz ou
prostituta.
Estão todos condenados ao (ancestral) ciclo de violência, tal como o personagem do capataz autoritário (que bate ostensivamente nos camponeses e apanha humildemente dos proprietários),
incapaz de se desvencilhar de sua
posição (sadomasô) de "pelego".
Os Herdeiros
Die Siebtelbauern
Direção: Stefan Ruzowitzky
Produção: Áustria, 1997
Com: Simon Schwarz, Sophie Rois, Lars
Rudolph, Julia Geschnitzer
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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