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Está tudo aqui - Contos, poemas, crônicas, ensaios, memórias e perfis
Livro reúne textos de expoentes da cultura brasileira publicados na Folha nos últimos 80 anos
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Chega de pacotes, prorrogações, reeleições, sabujices de toda
ordem. Há dias em que, por respeito a sentimentos genuínos, não
dá para perder tempo com tanto
lixo, tanta desonestidade e tanta
ousadia de mequetrefes que viram manchete de jornal por melhor servir ao poder desservindo
ao país."
O texto acima não foi escrito
por nenhum opositor indignado
do governo FHC, mas pelo próprio Fernando Henrique Cardoso, então senador pelo PMDB,
por ocasião da morte de Elis Regina, em janeiro de 1982.
Publicado na página 2 da Folha,
onde FHC tinha uma coluna, o
texto agora está no livro "Figuras
do Brasil - 80 Autores em 80 Anos
de Folha", que a Publifolha lança
como parte das comemorações
do 80º aniversário do jornal.
"Boa parte da inteligência brasileira do século 20 passou pelas páginas da Folha e está no livro",
sintetiza o crítico e ensaísta Arthur Nestrovski, editor da Publifolha e organizador do volume.
Basta uma passada de olhos pelo
índice para atestar a afirmação: de
Monteiro Lobato (autor do texto
mais antigo, de 1921) a Marcelo
Coelho (do mais recente, de 2001),
"todo mundo" está representado.
Ou quase. Problemas de direitos
autorais impediram a inclusão de
textos preciosos de escritores como Guimarães Rosa e Mário de
Andrade, que manteve durante
anos a coluna "Mundo Musical"
na "Folha da Manhã", um dos três
jornais que se fundiram em 1960
na Folha (os outros foram "Folha
da Noite" e "Folha da Tarde").
Ausências dolorosas, sem dúvida. Mas, lendo o livro, é difícil
imaginar quem sairia dele para
dar lugar aos que ficaram de fora.
O elenco é assombroso. Escritores como Oswald de Andrade e
Jorge Amado, poetas como Bandeira e Drummond, críticos como
Antonio Candido e Sergio Buarque de Holanda, antropólogos como Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, artistas como Di Cavalcanti e
Iberê Camargo, dramaturgos como Nelson Rodrigues e Plínio
Marcos, cineastas como Glauber
Rocha e Arnaldo Jabor, jornalistas como Paulo Francis e Antonio
Callado, além de um riquíssimo
"etc.", escreveram para a Folha.
Um critério básico de seleção
foi, segundo o editor, o ineditismo
dos textos quando de sua publicação na Folha. Ou seja: o livro só
traz material publicado em primeira mão pelo jornal.
Uma exceção é o poema "Jorge", de Murilo Mendes, que saiu
na "Revista Acadêmica" em 1948
e foi republicado na Folha em
1983. "Neste caso, a inclusão do
texto se justificava pelo caráter
demasiado restrito da publicação
original", diz o organizador.
Outra decisão foi deixar de lado
textos excessivamente especializados (como ensaios de filosofia
ou psicanálise, por exemplo) e comentários demasiado pontuais.
"Isso explica a ausência de textos
de grandes autores, como Clóvis
Rossi e Elio Gaspari", diz.
Quando haviam vários textos de
um autor, a escolha se baseou na
importância do assunto ou no
inusitado da abordagem. Assim,
há muitas surpresas no livro, como uma crítica do desenho animado "Fantasia", de Walt Disney,
por um fascinado Monteiro Lobato, ou uma longa crônica policial
em capítulos por Oswald de Andrade, que acompanhou um repórter do jornal na investigação
de um crime escabroso em 1948.
Atualidade
Alguns textos literários revestem-se de importância histórica
evidente. A crônica "Amor que
Morre", de Nelson Rodrigues, a
última escrita pelo autor, foi publicada na mesma página em que
se noticiava a sua morte, na edição de 22 de dezembro de 1980.
O conto "O Ventre Seco", de Raduan Nassar, saiu na mesma edição do suplemento "Folhetim"
em que o ficcionista anunciava
sua retirada da literatura. "Na verdade tinha deixado de escrever logo depois de terminar a revisão de
"Um Copo de Cólera" (publicado
em 1978), mas não havia contado
a ninguém", lembra hoje Nassar.
Outros textos testemunham o
empenho cívico e a coragem pessoal de seus autores. É o caso da
crônica "Do Herói ao Anti-Herói", publicada por Janio de Freitas em novembro de 1981, a propósito do restabelecimento do capitão Wilson Luís Chaves Machado, ferido acidentalmente no frustrado atentado ao Riocentro.
Escrito com ironia feroz sob a
forma de uma carta dirigida ao
capitão, o artigo rendeu ao jornalista telefonemas ameaçadores de
militares ressentidos. "Na época
isso não era estranho para mim",
lembra Janio de Freitas, mostrando que as onças mudam, mas a
vara curta continua a mesma.
"Figuras do Brasil" foi concebido como resposta a um desafio
proposto pela direção da Folha.
"O jornal queria um livro de peso
para comemorar seus 80 anos",
diz Nestrovski.
"Até onde eu sei, um livro nesses moldes é uma experiência inédita, mesmo internacionalmente.
Isso confirma minha impressão
de que no Brasil os jornais têm
uma importância cultural muito
maior do que em outros lugares.
Num país em que há tão pouco
território para a discussão cultural, a imprensa acaba suprindo
em parte essa lacuna."
"Figuras do Brasil" inaugura
uma nova era na Publifolha, que
se firmou no mercado com obras
de referência, como guias e dicionários, e agora pretende expandir
o catálogo também nas áreas de
ciências humanas e de literatura.
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