|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"PANTAGRUEL"
Nova montagem inspirada no texto de François Rabelais marca comemoração de dez anos do grupo
Parlapatões ficam entre prazer e razão
KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA
Tomados como eixo no trabalho dos Parlapatões, os temas do prazer, do poder e da razão encontram em "Pantagruel" o
campo fértil para uma síntese das
mais engraçadas.
Exímios equilibristas, eles ironizam, inspirados no "homem novo" de Rabelais, as contradições
que regem o exercício da liberdade humana e suas limitações em
uma comédia épica que visita as
fronteiras do grotesco.
As imagens hiperbólicas colhidas na pesquisa do grupo ganham
na dramaturgia de Mário Viana e
Hugo Possolo uma versão redonda, deliberadamente impura, com
trajetória clara e grande poder de
provocação da platéia, em fábula
que projeta a crítica da vida social
nas entrelinhas do efeito cômico.
Ao gosto da inversão burlesca, a
peça coloca a busca da sabedoria
nas mãos de Pantagruel (Raul
Barreto/Claudinei Brandão), o gigantesco nerd, filho do rei Gargântua, que inicia seu rito de passagem à vida adulta preso como
um animal aos apelos fisiológicos
elementares (e poderosos, como
se vê em cena).
Epistemão (Alexandre Roit),
seu preceptor, vive literalmente
com a cabeça; ao contrário de Panúrgio (Hugo Possolo), um homem do povo comandado pelo
instinto, sobretudo quando clamam o sexo e a fome. Frei Jó
(Henrique Stroeter) é o enfezado
e nem um pouco ortodoxo representante da igreja.
No caminho para a retomada da
Ilha de Utopia, os parlapatões vão
da metáfora à comparação explícita e colocam na mesma perspectiva de representação a cultura
popular renascentista e a vida ordinária no Brasil contemporâneo,
em saboroso estardalhaço cômico. Em certa passagem, à tomada
de poder pelos "sorbonistas",
Pantagruel responde (acidentalmente, é verdade) com uma terrível mijada capaz de inundar a cidade de Paris inteira e inaugurar
um mar possível para a "grande
navegação" dos bufões rumo à
Quintessência.
É, porém, na formalização dessas imagens espetaculares que a
nau dos parlapatões quase perde
o rumo. Embora a opção pelas soluções poéticas seja de longe a
mais interessante, algumas soluções cênicas são frágeis e quase fazem água no barco da trupe. A sequência que relata a passagem pelas estranhas ilhas responde com
pouca eficiência à expectativa
criada na narrativa. O mesmo vale
para o final do espetáculo. Em que
pese a legitimidade dos temas, o
quase discurso é inorgânico e parece estranho às opções formais
da montagem.
A luz de Wagner Pinto, muito
boa no recorte, comunica-se acanhadamente com a cenografia de
Luciana Bueno, em um diálogo
ainda truncado, que merece
maior espaço de interferência.
Além do inegável talento na
provocação do riso que não se nega à reflexão, o melhor dos Parlapatões, reafirmado neste "Pantagruel", é a porta de casa sempre
aberta à platéia, em um jogo cujas
cartas são a sátira e a ironia, e o
coringa é alguma surpresa guardada na manga, pronta para a
próxima jogada.
Pantagruel
Texto: Hugo Possolo e Mário Viana
Direção: Hugo Possolo
Com: Hugo Possolo, Alexandre Roit, Raul
Barreto e outros
Onde: Sesc Consolação - teatro (r. Dr.
Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo,
tel. 0/xx/11/3234-3077)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
Texto Anterior: Panorâmica - Crítica: Nankin Editorial lança revista literária Próximo Texto: Livro/Lançamentos - "Tempo dos Flamengos": Estudo revisa ocupação holandesa no país Índice
|