São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2001

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"PANTAGRUEL"

Nova montagem inspirada no texto de François Rabelais marca comemoração de dez anos do grupo

Parlapatões ficam entre prazer e razão

KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA

Tomados como eixo no trabalho dos Parlapatões, os temas do prazer, do poder e da razão encontram em "Pantagruel" o campo fértil para uma síntese das mais engraçadas.
Exímios equilibristas, eles ironizam, inspirados no "homem novo" de Rabelais, as contradições que regem o exercício da liberdade humana e suas limitações em uma comédia épica que visita as fronteiras do grotesco.
As imagens hiperbólicas colhidas na pesquisa do grupo ganham na dramaturgia de Mário Viana e Hugo Possolo uma versão redonda, deliberadamente impura, com trajetória clara e grande poder de provocação da platéia, em fábula que projeta a crítica da vida social nas entrelinhas do efeito cômico.
Ao gosto da inversão burlesca, a peça coloca a busca da sabedoria nas mãos de Pantagruel (Raul Barreto/Claudinei Brandão), o gigantesco nerd, filho do rei Gargântua, que inicia seu rito de passagem à vida adulta preso como um animal aos apelos fisiológicos elementares (e poderosos, como se vê em cena).
Epistemão (Alexandre Roit), seu preceptor, vive literalmente com a cabeça; ao contrário de Panúrgio (Hugo Possolo), um homem do povo comandado pelo instinto, sobretudo quando clamam o sexo e a fome. Frei Jó (Henrique Stroeter) é o enfezado e nem um pouco ortodoxo representante da igreja.
No caminho para a retomada da Ilha de Utopia, os parlapatões vão da metáfora à comparação explícita e colocam na mesma perspectiva de representação a cultura popular renascentista e a vida ordinária no Brasil contemporâneo, em saboroso estardalhaço cômico. Em certa passagem, à tomada de poder pelos "sorbonistas", Pantagruel responde (acidentalmente, é verdade) com uma terrível mijada capaz de inundar a cidade de Paris inteira e inaugurar um mar possível para a "grande navegação" dos bufões rumo à Quintessência.
É, porém, na formalização dessas imagens espetaculares que a nau dos parlapatões quase perde o rumo. Embora a opção pelas soluções poéticas seja de longe a mais interessante, algumas soluções cênicas são frágeis e quase fazem água no barco da trupe. A sequência que relata a passagem pelas estranhas ilhas responde com pouca eficiência à expectativa criada na narrativa. O mesmo vale para o final do espetáculo. Em que pese a legitimidade dos temas, o quase discurso é inorgânico e parece estranho às opções formais da montagem.
A luz de Wagner Pinto, muito boa no recorte, comunica-se acanhadamente com a cenografia de Luciana Bueno, em um diálogo ainda truncado, que merece maior espaço de interferência.
Além do inegável talento na provocação do riso que não se nega à reflexão, o melhor dos Parlapatões, reafirmado neste "Pantagruel", é a porta de casa sempre aberta à platéia, em um jogo cujas cartas são a sátira e a ironia, e o coringa é alguma surpresa guardada na manga, pronta para a próxima jogada.


Pantagruel
   
Texto: Hugo Possolo e Mário Viana
Direção: Hugo Possolo
Com: Hugo Possolo, Alexandre Roit, Raul Barreto e outros
Onde: Sesc Consolação - teatro (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo, tel. 0/xx/11/3234-3077)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Quanto: de R$ 10 a R$ 20




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