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CRÍTICA
Urgência em entender imprevisível da guerra faz obra atual
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
"Goya" é livro de guerra. Robert
Hughes busca compreender as incursões bissextas do artista espanhol pela figuração do terror. Para tal, baseia-se na própria vida.
Hughes sofreu acidente automobilístico que quase o matou
em 1999. A descrição do lento
processo de recuperação, somada
à morte do filho, abre o volume,
primeiro escrito desde então. Numa das cenas recordadas, Hughes
encontra Goya durante uma alucinação comatosa e, após despertar, compreende que deveria escrever um livro sobre ele.
O embate pictórico de Goya
com os temas da dor, morte,
crueldade e superstição torna-se
valor superior na análise biográfica evolucionista de Hughes. Embora baseado em conhecimento
histórico, o autor projeta uma
grade antecipatória sobre o que
veio antes de "Caprichos" (1796).
Gera-se uma irregularidade entre a primeira parte e a segunda.
Entre o primeiro capítulo e o
quinto, a rica paisagem histórico-política é contraposta à interpretação anacrônica de uma obra visivelmente cortesã e acadêmica.
Goya é ambicioso e tem acesso à
corte por casamento de interesse,
que lhe rende cargo na Fábrica
Real de Tapetes, entre 1775 e 1792.
Hughes mostra-se indignado
contra o maneirista "Cristo Crucificado" (1780), feito para o ingresso na Academia Real de Pintura. Signos da singularidade por
vir sobrepõem-se a uma análise
insuficiente dos códigos seguidos
pelo primeiro pintor do rei.
A virada da segunda parte começa com a Revolução Francesa.
Abre-se a última fase de Goya, entre os 60 e a morte, aos 82.
Os mecenas do artista viverão
um período de mudanças que dura até 1822. Goya, habitando Madri, foi testemunha da queda dos
Bourbons, do império napoleônico, da guerrilha popular, da constituinte liberal e da restauração
reacionária. E de seus horrores.
A surdez, advinda em 1793, é
fonte de mais ênfase de Hughes
no aspecto psicológico da mudança estética do artista.
Na velhice, a experiência das
guerras contínuas gera produções
privadas em que crueza ou deformação ganham formas maduras.
As matrizes dos "Desastres da
Guerra" (1808-14) nunca foram
impressas em vida, e os murais
negros da Quinta do Surdo ficavam na vila particular.
Por outro lado, continuaram as
ligações cortesãs, sobretudo após
a volta tirânica de Fernando 7º,
em 1814. Assim, a posição dialética de Goya confere densidade aos
capítulos finais, concluídos com a
morte do homenageado em 1827.
Hughes escreve desde o mundo
anglo-saxão pós-Torres Gêmeas.
A urgência em compreender a irracionalidade dos imprevisíveis
da guerra torna a leitura atual.
Goya
Autor: Robert Hughes
Editoras: Harvill Press (Inglaterra)/
Knopf (EUA)
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