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São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2003

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O celebrado crítico de arte Robert Hughes lança livro sobre a vida e a obra de Goya

A dor da criação

Divulgação
"Saturno devorando um Filho", obra de Goya


FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O mais vendido e festejado crítico de arte da atualidade, o australiano Robert Hughes, 65, vem realizando um maratona pelos Estados Unidos para promover seu novo e aclamado livro, "Goya", sobre a vida e obra do pintor espanhol Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828).
De perto e em ação diante de um grande público na semana passada em Washington, Hughes não lembrava em nada os tradicionais juízes do ramo das artes plásticas. Enorme, rosto avermelhado e vestindo uma moderna camisa com listras transversais, ele mostrou por que é considerado hoje uma espécie de popstar entre eruditos e populares interessados em arte.
"Goya" entrou na lista dos mais vendidos logo depois do seu recente lançamento no Reino Unido. Nos EUA, só tem recebido críticas elogiosas.
Com 221 ilustrações e um texto que mistura rigor acadêmico, metáforas e imagens contemporâneas, ""Goya" dá apenas uma pista da forma e conteúdo de seu autor.
Em um evento promovido pela galeria The Phillips Collection, Hughes atuou por quase duas horas diante de 600 pessoas no melhor estilo ""stand-up comedy". De pé e sem parar, proferiu comentários e piadas que levaram o seu público às gargalhadas dezenas de vezes.
Com a ajuda de um projetor de imagens gigantescas, Hughes soltou, por exemplo, o seguinte:
Personagens da tela ""Los Caprichos" (1797) tiveram suas fisionomias comparadas às formas de Homer Simpson, o patriarca da família Simpson; fez piada com o tamanho do órgão sexual do Duque de Alardia, na tela ""Príncipe da Paz" (1801), onde o fidalgo aparece segurando uma bengala entre as pernas; e afirmou que as preferências de Goya por donzelas em situações de quase violência sexual fariam enorme sucesso nos tablóides sensacionalistas de seu compatriota Rupert Murdoch.
Com interjeições e gestos aparentemente calculados, Hughes se apresentou como se estivesse em uma mesa de bar dividindo uma boa garrafa de vinho com seu público. À vontade, fungou, tossiu e esfregou o nariz com a mão, sem cerimônia.
Para aproximar "a visão dolorosa" de Goya sobre a vida, o autor cita um acidente de automóvel recente que quase o matou como propulsor de sua determinação de concluir o livro, que levou anos para escrever.
"Foi por meio desse acidente que conheci a dor extrema, o medo e o desespero; e o escritor que não conhece medo, desespero e dor, não pode conhecer Goya completamente", disse Hughes em tom emocionado diante de sua platéia.
Hughes considera Goya o "último grande mestre e o primeiro modernista" e afirma que o pintor permanece "forte e presente" porque acreditava que a arte fosse capaz de "mudar a percepção moral do mundo".
"No século mais violento da história, o atual, não há quem hoje faça isso. Por isso Goya é tão extraordinário", diz o autor.
Ao final, em uma última tentativa de se aproximar de seu público, Hughes descreve a talvez mais conhecida pintura de Goya, a tela "El Tres de Maio" (1814), onde espanhóis são fuzilados pelos invasores franceses, como equivalente, "mais de 200 anos antes", às cenas mais violentas da Guerra do Vietnã -bem familiar à sua platéia da noite, repleta de norte-americanos.



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