São Paulo, quarta-feira, 01 de dezembro de 2004

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ARQUITETURA

Obra que reúne plantas e ensaios de especialistas explica que movimento ofuscou produção brasileira atual

Modernismo tolheu sucessores, diz livro

Nelson Kon/Divulgação
Vista da residência de Hélio Olga, em São Paulo, projetada por Marcos Acayaba, nos anos 80


ALEXANDRA MORAES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1943, "Brazil Builds", nome de um livro de Philip Goodwin e de uma exposição no MoMA, em Nova York, sedimentou o modernismo na arquitetura brasileira diante do mundo e do próprio país, que via aparecer sobre seu solo construções de linhas retas, curvas e amor pelo pilotis. Não tão estrondosa, mas igualmente importante, é lançada agora, 51 anos depois, uma revisão crítica sobre a arquitetura moderna brasileira, feita por historiadores/arquitetos daqui: Guilherme Wisnik, Luiz Recamán, Roberto Conduru, João Masao Kamita e Pedro Fiori Arantes.
O volume é organizado por dois jovens professores ingleses especializados no assunto -Adrian Forty e Elisabetta Andreoli- e editado pela gigante dos livros de arte Phaidon. O lançamento ocorre no próximo dia 7, simultaneamente na Embaixada Brasileira em Londres, na livraria Travessa, no Rio, e na Fnac da avenida Paulista, em São Paulo, onde a versão em português sai com distribuição da editora Martins Fontes.
"Arquitetura Moderna Brasileira" é um livro parrudo, de fotos, plantas e cinco ensaios sobre como os trabalhos de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Vilanova Artigas, Affonso Eduardo Reidy e Lina Bo Bardi, entre outros, mudaram a paisagem e o modo de pensar a arquitetura no Brasil.
A obra sinaliza, também, um fato pouco comentado sobre o modernismo arquitetônico do país: seu sucesso ofuscou a produção que o sucedeu.

Fora de cena
"Em contraste com os anos 1940 e 1950, quando revistas européias publicavam toda e qualquer novidade arquitetônica brasileira, desde os anos 60 o silêncio predomina", explicam os autores na introdução da obra. "Um livro recente, intitulado "Contemporary Latin American Architecture" [Arquitetura Contemporânea Latino-Americana] (2000), não apresenta um único projeto brasileiro. É como se essa arquitetura tivesse deixado de existir."
O ponto crucial é como a arquitetura brasileira saiu de cena -e como um movimento de 50 anos de idade ainda é visto como guia. "Uma das peculiaridades do Brasil é que a arquitetura construída nos anos 40 e 50 ainda é vista como "moderna" e ainda representa um ponto de referência para o presente", diz Adrian Forty em entrevista à Folha.
"Isso está relacionado à maneira como, no Brasil, a arquitetura moderna forneceu um dos símbolos de identidade da nação. Uma das dificuldades que os arquitetos brasileiros têm é encarar a rejeição do legado dos anos 40 e 50, que seria antipatriótica. Tiveram de achar um modo de acomodar esse legado, sem a total rejeição que foi característica em outros países nos anos 70 e 80", explica o organizador.
A continuidade do modernismo está também representada na figura de Oscar Niemeyer. "A vida longa de Oscar Niemeyer reforça a visão de que o modernismo é presente", aponta Forty. "É preciso dizer, no entanto, que o trabalho de Niemeyer se desenvolveu e mudou. É, além do mais, excepcional que um arquiteto se torne uma espécie de herói nacional, como Niemeyer se tornou. Apenas Alvar Aalto, na Finlândia, recebeu tratamento parecido", completa o organizador.

Preocupação social
Um dos principais pontos da cartilha modernista internacional, a preocupação social acompanhou irregularmente a obra de diferentes profissionais brasileiros, quase sempre declaradamente politizados -como os comunistas Niemeyer e Vilanova Artigas, que partilhavam a ideologia, mas não o estilo. Se os espaços públicos que abriam, sob encomenda do Estado, estavam voltados à participação das massas, não houve o mesmo sucesso com relação à construção de moradias populares, bandeiras da "nova arquitetura na Alemanha, Áustria e Holanda" que não tiveram, "entre nós, ênfase similar", como aponta Luiz Recamán.
O modernismo no Brasil foi, tecnicamente, uma versão às avessas daquela nova linguagem promulgada pela Europa dos anos 20: novas tecnologias de construção, rejeição da cultura burguesa, evidência da luz e do ar. "O que os luminares do modernismo europeu encontraram quando chegaram ao Brasil? Uma sociedade sem uma cultura burguesa desenvolvida para rejeitar, um clima no qual luminosidade e ar já existiam em quantidades mais do que suficientes e uma economia na qual não havia lugar para a infra-estrutura industrial", enumeram Forty e Andreoli.
Para jogar luz sobre a produção brasileira recente, o livro reserva suas páginas finais a estudos sobre trabalhos de arquitetos mais novos, como os grupos MMBB e o Una Arquitetos. São examinados também um dos hospitais de João Filgueiras Lima, o Lelé, em Brasília, e a cobertura de Paulo Mendes da Rocha para a praça do Patriarca, em São Paulo, pontes entre um passado glorioso, porém passado, e um presente de necessidades.

ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA. Organizadores: Elisabetta Andreoli e Adrian Forty. Textos de: Guilherme Wisnik, Roberto Conduru, Luiz Recamán, João Masao Kamita e Pedro Fiori Arantes. Editora: Phaidon (distribuição no Brasil pela Martins Fontes). Quanto: R$ 225 (240 págs.).


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