São Paulo, quarta-feira, 01 de dezembro de 2004

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Saldão tropicalista

Caetano, Gal, Gil, Bethânia e Rita Lee apresentam seus produtos para as festas de 2004

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Já é dezembro, o comércio se agita para o Natal. Seguindo a tradição, os heróis da geração tropicalista encherão as lojas de som e imagem com nova fornada produtiva -em 2004, no entanto, ela tem jeito e forma de saldão.
Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia (sempre não-tropicalista, mas sempre contígua à tropicália) e Rita Lee apresentam, todos, CDs e/ou DVDs de caráter rememorativo.
Gil, 62, atual ministro da Cultura do Brasil, banca o que chama de "atividade residual" em música, lançando o DVD e CD ao vivo "Eletracústico". Seis anos após seu "Acústico MTV", a tropicalista caçula Rita Lee, 56, dobra a dose e vai de "MTV ao Vivo", em CD, DVD e show gravado para a rede musical de TV.
Caetano, 62, diversifica e age como diretor musical na trilha sonora do filme "Meu Tio Matou um Cara", na qual também atua como compositor e intérprete das releituras de "(Nothing But) Flowers", do grupo norte-americano Talking Heads, e "Pra te Lembrar", do gaúcho Nei Lisboa.
Caetano e Gil se duplicam ainda no DVD "Outros (Doces) Bárbaros", dirigido por Andrucha Waddington, que documenta a breve reunião, em 2002, de quarteto formado em 1976 e apelidado Doces Bárbaros -aí entram Gal Costa, 59, e Maria Bethânia, 58.
Fazendo par descontínuo com o documentário original "Doces Bárbaros", que reestreou neste ano nos cinemas, "Outros (Doces) Bárbaros" forma o material nobre dentro desta entressafra de produção musical inédita dos ícones de 1968. Traz apenas duas canções inéditas, "Máquina de Ritmo" e a nostálgica "Outros Bárbaros", compostas por um Gil à véspera de ser designado ministro de Lula -segundo conta, ele recebeu o convite por telefone, nos bastidores do show do parque Ibirapuera, em São Paulo.
Os melhores momentos estão, porém, na extensa parte documental do DVD, que acompanha ensaios e bastidores. Dali saem flagras reveladores, como nas cenas de rusgas miúdas entre Bethânia e Gil, entre Gil e Caetano.
Bethânia, quase o tempo todo muda e carrancuda, protagoniza dois instantes divertidos. Primeiro, ela e Gal tomam chá de cadeira dos outros dois na sala de ensaio, o que faz Bethânia comentar, em referência indireta ao fogo mercadológico da tropicália: "Devem estar com os jornalistas. Eles não podem ver um jornalista".
Já ao fim do DVD, sua relativa mudez é quebrada num vôo São Paulo-Rio. Enfileirados, os quatro comentam o primeiro show, antes da apresentação na praia de Copacabana. Copo de cerveja à mão, Bethânia descontrai e dá show ao comentar seus erros na apresentação. Imagens dos Doces Bárbaros de quase 30 anos atrás encerram a jornada em tom comparativo, nostálgico, amistoso.
Com humor comparável ao de Bethânia, Rita Lee protagoniza em "MTV ao Vivo" o lado mais explicitamente ferino da tropicália. Ao cantar "Tudo Vira Bosta", de Moacir Franco, arremeda Chacrinha e faz o chiste, entre irônica e verdadeira, entre divertida e constrangida: "Eu estou aqui pelo dinheiro. A arte está morta".
Em entrevista à Folha por e-mail, Rita prefere o chiste a comentar se a arte está viva ou morta: "Um dia mostrei uns quadros de Picasso para minha empregada, e ela achou uma merda. Quando contei quanto custavam, achou mais merda ainda. Prefere gastar seu dinheirinho com os CDs artísticos da bispa Sonia. Para ela, além da arte, Deus também não está morto. Falando mais na chincha, se os críticos de música pagassem minhas contas, juro que eu lançaria um disco cabeça de 20 em 20 anos".
O ministro Gil, por telefone, entra na questão, ao comentar o brinquedo sério de Rita: "É uma metáfora redutora e reducionista, mas tem sentido, sim. Acabou a virtude, a arte, o amor, essas coisas todas que fizeram parte de nossa constituição. É reducionista, não é só isso. Mas também é".
Em seu tom, talvez more embutido o confronto entre tempos em que a arte se jogava no consumo de massa -a pop art, a tropicália, o apogeu dos LPs de vinil- e tempos em que o conceito é uma caixa de DVD. Então é Natal.


OUTROS (DOCES) BÁRBAROS. Lançamento: Biscoito Fino. Quanto: R$ 40, em média.


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