|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Saldão tropicalista
Caetano, Gal, Gil, Bethânia e Rita Lee apresentam seus produtos para as festas de 2004
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Já é dezembro, o comércio se
agita para o Natal. Seguindo a tradição, os heróis da geração tropicalista encherão as lojas de som e
imagem com nova fornada produtiva -em 2004, no entanto, ela
tem jeito e forma de saldão.
Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia (sempre
não-tropicalista, mas sempre
contígua à tropicália) e Rita Lee
apresentam, todos, CDs e/ou
DVDs de caráter rememorativo.
Gil, 62, atual ministro da Cultura do Brasil, banca o que chama
de "atividade residual" em música, lançando o DVD e CD ao vivo
"Eletracústico". Seis anos após
seu "Acústico MTV", a tropicalista caçula Rita Lee, 56, dobra a dose e vai de "MTV ao Vivo", em
CD, DVD e show gravado para a
rede musical de TV.
Caetano, 62, diversifica e age como diretor musical na trilha sonora do filme "Meu Tio Matou
um Cara", na qual também atua
como compositor e intérprete das
releituras de "(Nothing But) Flowers", do grupo norte-americano
Talking Heads, e "Pra te Lembrar", do gaúcho Nei Lisboa.
Caetano e Gil se duplicam ainda
no DVD "Outros (Doces) Bárbaros", dirigido por Andrucha
Waddington, que documenta a
breve reunião, em 2002, de quarteto formado em 1976 e apelidado
Doces Bárbaros -aí entram Gal
Costa, 59, e Maria Bethânia, 58.
Fazendo par descontínuo com o
documentário original "Doces
Bárbaros", que reestreou neste
ano nos cinemas, "Outros (Doces) Bárbaros" forma o material
nobre dentro desta entressafra de
produção musical inédita dos ícones de 1968. Traz apenas duas
canções inéditas, "Máquina de
Ritmo" e a nostálgica "Outros
Bárbaros", compostas por um Gil
à véspera de ser designado ministro de Lula -segundo conta, ele
recebeu o convite por telefone,
nos bastidores do show do parque
Ibirapuera, em São Paulo.
Os melhores momentos estão,
porém, na extensa parte documental do DVD, que acompanha
ensaios e bastidores. Dali saem
flagras reveladores, como nas cenas de rusgas miúdas entre Bethânia e Gil, entre Gil e Caetano.
Bethânia, quase o tempo todo
muda e carrancuda, protagoniza
dois instantes divertidos. Primeiro, ela e Gal tomam chá de cadeira
dos outros dois na sala de ensaio,
o que faz Bethânia comentar, em
referência indireta ao fogo mercadológico da tropicália: "Devem
estar com os jornalistas. Eles não
podem ver um jornalista".
Já ao fim do DVD, sua relativa
mudez é quebrada num vôo São
Paulo-Rio. Enfileirados, os quatro
comentam o primeiro show, antes da apresentação na praia de
Copacabana. Copo de cerveja à
mão, Bethânia descontrai e dá
show ao comentar seus erros na
apresentação. Imagens dos Doces
Bárbaros de quase 30 anos atrás
encerram a jornada em tom comparativo, nostálgico, amistoso.
Com humor comparável ao de
Bethânia, Rita Lee protagoniza
em "MTV ao Vivo" o lado mais
explicitamente ferino da tropicália. Ao cantar "Tudo Vira Bosta",
de Moacir Franco, arremeda Chacrinha e faz o chiste, entre irônica
e verdadeira, entre divertida e
constrangida: "Eu estou aqui pelo
dinheiro. A arte está morta".
Em entrevista à Folha por e-mail, Rita prefere o chiste a comentar se a arte está viva ou morta: "Um dia mostrei uns quadros
de Picasso para minha empregada, e ela achou uma merda. Quando contei quanto custavam,
achou mais merda ainda. Prefere
gastar seu dinheirinho com os
CDs artísticos da bispa Sonia. Para ela, além da arte, Deus também
não está morto. Falando mais na
chincha, se os críticos de música
pagassem minhas contas, juro
que eu lançaria um disco cabeça
de 20 em 20 anos".
O ministro Gil, por telefone, entra na questão, ao comentar o
brinquedo sério de Rita: "É uma
metáfora redutora e reducionista,
mas tem sentido, sim. Acabou a
virtude, a arte, o amor, essas coisas todas que fizeram parte de
nossa constituição. É reducionista, não é só isso. Mas também é".
Em seu tom, talvez more embutido o confronto entre tempos em
que a arte se jogava no consumo
de massa -a pop art, a tropicália,
o apogeu dos LPs de vinil- e
tempos em que o conceito é uma
caixa de DVD. Então é Natal.
OUTROS (DOCES) BÁRBAROS.
Lançamento: Biscoito Fino. Quanto: R$
40, em média.
Texto Anterior: País põe passado acima de presente Próximo Texto: Gil põe obra completa na internet Índice
|