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MANUEL DA COSTA PINTO
Ensaios ficcionais sobre a cegueira
Nas linhas de "Histórias de Literatura e Cegueira", a suposta fidelidade aos fatos se impõe à estrutura do romance
TENDO COMO personagens três
grandes escritores do século
20 -James Joyce, Jorge Luis
Borges e João Cabral de Melo Neto-, "Histórias de Literatura e Cegueira", de Julián Fuks, lança mão
de um procedimento consagrado
pelo romance pós-moderno: as contaminações entre fato e ficção, biografia e invenção. O resultado, porém, está bem distante de um tipo
de prosa experimental que, nos anos
60 e 70, pretendia sepultar o romance de corte mais realista, regido por
princípios de causalidade e
verossimilhança.
Não é mera coincidência que o
texto de orelha seja assinado por Silviano Santiago, que nos livros "Em
Liberdade" e "Viagem ao México" se
apropriou, respectivamente, das
biografias de Graciliano Ramos e
Antonin Artaud para criar labirintos
metalingüísticos.
No caso dos ficcionistas pós-modernos (dentre os quais Santiago), a
narrativa é uma espécie de "trompe
l'oeil": como nas pinturas que simulavam portas ou janelas sobre as paredes dos palácios barrocos, o dado
real se confunde com eventos fictícios, num triunfo da ilusão.
Com Fuks, não há esse cancelamento de fronteiras. Em sua opção
temática -a vida de três autores
marcados pela cegueira-, a tópica
do olhar aparece não como metáfora
relativista, mas como ponto de inflexão das trajetórias criativas. Tanto é
assim que as fontes das referências
biográficas e citações vêm relacionadas no final, como a sugerir que o autor nada acrescentou àquilo que já
se conhecia de Joyce, Borges e Cabral, que não pretende turvar a vista
do leitor ou criar armadilhas.
Vem daí a força desse livro que
opera por condensações e deslocamentos: sua suposta fidelidade aos
fatos se impõe à estrutura do romance, explicitando a intencionalidade de quem os seleciona. Ao fazê-lo, Fuks desliza do ensaio para a ficção, mostrando que o modo de articular acontecimentos é algo tão fundamental para a prosa literária
quanto a imaginação ou o trabalho
com a linguagem.
Borges sonhando nos corredores
da Biblioteca Nacional ("magnífica
ironia" de um Deus que lhe deu "a
um só tempo os livros e a noite");
João Cabral recluso no silêncio e no
sono, incapaz de escrever após a perda da visão (ou fazendo, ao final da
vida, essa profissão de fé: "poema é
coisa de ver/ é coisa sobre um espaço"); Joyce compondo epifanias para revelar a essência das coisas triviais que seus olhos podres mal
percebem.
Dispostos nessa ordem, os três capítulos fazem da cegueira o epicentro de mitologias pessoais que vão
sendo recolhidas em sutis paráfrases estilísticas. Poderiam ser lidos
como contos independentes, mas os
vestígios que uma narrativa deixa na
outra mostram como todo escritor
elege um ponto de fuga de onde contempla as coisas. Nesse caso, por
"magnífica ironia", uma visão da literatura proporcionada pela
cegueira.
HISTÓRIAS DE LITERATURA E CEGUEIRA
Autor: Julián Fuks
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (162 págs.)
Avaliação: ótimo
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