São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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Crítica/"Mídia e Violência"

Compilação discute como o jornalismo diário trata a violência

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Poucos temas na literatura científica a respeito dos meios de comunicação de massa foram tão explorados como o da sua relação com a violência.
Nos países ricos, onde a pesquisa sobre esses temas é mais avançada, a motivação principal sempre foi tentar comprovar vínculos entre a mídia e o comportamento agressivo de boa parte de sua sociedade.
Infelizmente, para os que gostariam de utilizar a TV, o cinema, o rádio, as revistas e os jornais como conveniente bode expiatório de males muito mais complexos, nunca se conseguiu demonstrar causalidade entre conteúdo violento nos veículos de comunicação e atos de violência praticados por indivíduos que o consumissem.
Em nações da periferia do capitalismo, como o Brasil, também é comum tentar atribuir à mídia algum tipo de responsabilidade pelos seus próprios problemas com a violência, tais como altos índices de criminalidade urbana e sentimento generalizado de insegurança pública.
Ora imputa-se aos meios de comunicação de massa o vício de exagerar os fatos com uma cobertura sensacionalista, ora de tratar do tema superficialmente sem perseguir as verdadeiras raízes dos males; às vezes eles são acusados de glamourizar o crime e, assim, torná-lo mais atraente, às vezes de defender soluções cruéis e desumanas para combatê-lo.
Infelizmente, como nestes países os recursos para a pesquisa científica são escassos, em geral essas presunções generalizam-se entre vastas audiências de acordo com suas preferências ideológicas sem que sejam corroboradas por evidências empíricas.

Análise e entrevistas
Neste sentido, é bem-vinda a edição de "Mídia e Violência", compilação de um trabalho de análise de conteúdo de jornais diários e de dezenas de entrevistas com jornalistas e especialistas em segurança pública feito pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.
Não chega a ser um projeto de grande fôlego acadêmico. Limita-se ao universo do jornalismo diário, não se aprofunda em explorar eventuais relações de causa e efeito, não faz pesquisa de campo.
Mas é um raro esforço de ao menos sistematizar o conhecimento acumulado sobre o assunto, analisar com um pouco de calma a produção jornalística do passado recente e do presente, propor sugestões para que ela melhore de qualidade.
Parece haver um consenso de que a cobertura dos temas associados à violência, criminalidade e segurança pública na imprensa brasileira tem melhorado ao longo das últimas décadas. É muito provável que sim.
Mas para essa afirmação poder ser feita com mais segurança, é necessário tentar estabelecer parâmetros minimamente objetivos e embasados em critérios de alguma forma validados com rigor científico. "Mídia e Violência" não chega a tanto. Afirma que a maioria dos jornais e emissoras de TV vem se valendo menos de "recursos sensacionalistas e noções apelativas", sem, no entanto, constatar esse fenômeno de modo definitivo (com alguma comparação história quantitativa, por exemplo).
A própria correlação entre sensacionalismo e má qualidade é discutível. Alguns jornais tablóides britânicos, por exemplo, são sensacionalistas e excelentes em termos de técnica jornalística. Pode-se achar que eles são de mau gosto, mas gosto não se discute.
O livro considera o fechamento do jornal "Notícias Populares" um "fator emblemático dessa tendência" [de melhor qualidade], embora seja muito mais provável que o "NP" (ele próprio em algumas épocas um bom jornal do seu gênero) tenha fechado porque fatores socioeconômicos reduziram muito a demanda pública por esse tipo de imprensa.
Independentemente de eventuais discordâncias pontuais, há em "Mídia e Violência" material rico para debates muito úteis sobre jornalismo e criminalidade no Brasil e seu maior mérito é estimular tal discussão.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em jornalismo pela USP e mestre em comunicação pela Universidade do Estado de Michigan (EUA). É autor, entre outros livros, de "Mil Dias - Seis Mil Dias Depois" (Publifolha).

MÍDIA E VIOLÊNCIA - NOVAS TENDÊNCIAS NA COBERTURA DE CRIMINALIDADE E SEGURANÇA NO BRASIL
Autoras:
Silvia Ramos e Anabela Paiva
Edição: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)
Informações: O livro é distribuído gratuitamente para pesquisadores e instituições ligadas ao tema.
Informações podem ser obtidas pelo tel. 0/xx/21/ 2531-2033 ou através do site www.ucamsesec.com.br
Avaliação: bom


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