São Paulo, quinta-feira, 02 de janeiro de 2003

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SURREALISMO

Objetos devem arrecadar até US$ 40 milhões
Memorabilia de André Breton será colocada à venda em leilão

ALAN RIDING
DO "NEW YORK TIMES"

Quando André Breton, fundador e líder inconteste do movimento surrealista, morreu em 28 de setembro de 1966, aos 70 anos, seu apartamento no bairro parisiense de Pigalle era uma verdadeira caverna do tesouro. Ao longo dos anos, Breton reuniu, além das obras de arte que comprou, esculturas primitivas da Oceania, centenas de pinturas, desenhos, fotografias e livros que lhe foram dados por amigos, seguidores e artistas pouco conhecidos que estavam em busca de suas benções.
Breton vivia lá desde 1922. Seus herdeiros -sua mulher, Elisa, e Aube, uma filha de um relacionamento anterior- decidiram manter tudo intocado. "Minha madrasta vivia aqui, e era seu ambiente familiar", disse Aube Breton Elléouët, 67. "Por 35 anos, procuramos por uma resposta quanto ao que se deveria fazer com a coleção. Meu pai jamais se expressara sobre o assunto."
Agora, anos depois da morte de Elisa Breton e dada a falta de disposição do governo francês quanto à aquisição da coleção, o maior registro unificado do movimento surrealista será vendido no primeiro semestre deste ano no hotel Drouot-Richelieu, o local dos leilões em Paris.
Uma medida das dimensões da coleção é que a casa de leilões CalmelsCohen planeja pelo menos seis catálogos para cobrir os 5.300 lotes. O leilão, que vai de 1º a 18 de abril, deve arrecadar entre US$ 30 milhões e US$ 40 milhões.
Os livros, que respondem por 3.500 dos lotes, incluem volumes dedicados a Breton por Freud, Trótski e Apollinaire, bem como catálogos de arte e diários. Entre os 500 lotes de manuscritos há originais de Breton e alguns dos "jogos" e experiências surrealistas. A arte moderna é representada por 450 pinturas, desenhos e esculturas e por 500 lotes de fotografias. E há 200 exemplares de arte popular e 150 exemplares de arte primitiva, principalmente da Oceania (uma descrição da coleção pode ser obtida online em breton.calmelscohen.com).
Para compensar a inevitável dispersão da coleção, todo o conteúdo do apartamento de Breton foi gravado digitalmente e estará disponível em CD-ROM. "Pinturas, objetos, fotos, manuscritos e livros. Tudo, do menos ao mais importante, do histórico ao cotidiano, do privado ao público", explica um comunicado à imprensa de Jean-Michel Ollé e Jean-Pierre Sakoun, que prepararam o banco de dados.
O principal item excluído do leilão é a chamada "Parede de Breton", literalmente a parede lotada por trás da escrivaninha do autor, que foi mostrada em inúmeras fotografias e terminou considerada uma obra de arte da coleção -por direito próprio. A parede foi doada por Breton Elléouët ao Museu Nacional de Arte Moderna do Centro Georges Pompidou, para pagar pelos impostos sobre o espólio de Breton.
As estantes da parede estão lotadas com dezenas de esculturas da Oceania, bem como objetos esquimós e figuras pré-hispânicas do México. Na parede mesma há quadros, gravuras e desenhos de artistas como Francis Picabia, Alfred Jarry, Roberto Matta, Jean Arp, Marcel Duchamp, Picasso, Miró e Kandinsky. E, perdido em meio a tanta arte, há um pequeno detalhe pessoal, uma foto de Elisa Breton.
Depois da morte de Elisa, no começo de 2000, e da transferência da parede de Breton ao Pompidou, Breton Elléouët decidiu realizar um inventário da coleção. "Foi assim que nos envolvemos com o trabalho", disse Laurence Calmels, sócio da CalmelsCohen. "Chegamos ao apartamento, e nada mudara, exceto a parede. A escrivaninha de Breton estava como ele a deixara, seu cachimbo, sua bolsa de fumo, seus livros. Havia quadros nas paredes, mas encontramos muitos cobertos de poeira em um mezanino. Havia caixotes de documentos. Ele guardou tudo. Demoramos três meses para fazer o inventário." Foi só então, convencida de que não tinha alternativa, que Breton Elléouët decidiu relutantemente vender a coleção.
"Umas poucas obras foram vendidas ao Centro Georges Pompidou e ao Museu de Artes Primitivas", disse ela. "Quanto ao resto da coleção, em 35 anos de contato, não recebemos sequer uma única proposta ou oferta de ajuda."


Tradução de Paulo Migliacci


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