São Paulo, domingo, 02 de janeiro de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Ser jeca é...

A mocinha toda malhada pega sua bolsa francesa e parte em viagem com o namorado para Trancoso (BA). Eles pousam em Salvador e pegam o helicóptero para chegar ao lugar. Vão jantar. Ele escolhe um vinho. Chacoalha a taça. Cheira a bebida. E devolve a garrafa, pois o gosto não está lá essas coisas. Acende o charuto e começa a papear. Casal descolado esse. Não?
 
Depende. Eles fizeram tudo de forma aparentemente "correta" e etiquetada. Mas receberiam o troféu de "Jecas do Ano" pelo colegiado que a coluna consultou para eleger as dez coisas que estão na moda, parecem chiques e descoladas -mas são de um cafonismo monumental para quem, há muitos anos, convive com o que há de melhor.
 
Bolsa de marca - Com a palavra, Danuza Leão, colunista da Folha e autora do best-seller "Na Sala com Danuza": "O que é brega? Bolsa Louis Vuitton. Só dá para usar quando não tem aquela marquinha na bolsa toda, sabe? A qualidade é excelente. Mas as coisas no Brasil se tornam bregas: todo mundo TEM que ter uma Louis Vuitton. Virou coisa de emergente, de mulher de jogador de futebol", diz ela. "E isso vale para todas as marcas. Chique é aquilo que o dinheiro não compra. É saber do endereço da lojinha em Saint-Germain, Paris, que vende os xales mais lindos do mundo e que os cafonas de SP e do Rio não têm".
 
"Chique é tirar a etiqueta da camiseta Chanel antes de usá-la", diz Cosette Alves. "É gostar da qualidade, e não do que ela comunica aos outros." Lily Marinho, viúva de Roberto Marinho, usa Ungaro e Chanel, mas acha "horrível, horrível, horrível" ostentar grifes.
 
Alugar limusine em NY ou Paris - Precisa explicação?
 
Devolver vinho - E a (nem tão nova) mania de brasileiro de entender de vinho? E, pior, mostrar conhecimento devolvendo o vinho porque ele está "bouchonné" [com aroma de rolha]? Manoel Beato, sommelier do Fasano, diz que nove em cada dez vinhos devolvidos no restaurante estão na mais perfeita ordem. "Bebo todos, com o maior prazer", brinca Rogério Fasano, sócio do grupo. "Só pode devolver vinho quem entende muito, o que é muito pouca gente", diz Danuza Leão.

Danuza confia mais "na sabedoria de um motorista de táxi da França do que de qualquer outra pessoa no Brasil". Isso vale até para seu ex-marido Renato Machado, jornalista da TV Globo e autor do livro "Em Volta do Vinho". "Quando eu o conheci, ele não sabia a diferença entre guaraná Antarctica e Brahma. Era muito mais interessante. Depois que começou a conhecer vinhos, ficou um pouco insuportável, sabe?", brinca Danuza. Os dois são grandes amigos. "Eu adoro ver o Renato, com uma condição: que ele não fale de vinhos."
 
A coisa é tão grave que já se começa a formar uma "resistência" aos "enobobos". O assunto foi parar até na novela "Senhora do Destino", da TV Globo. "Eu uso o maître Viriato (Marcello Antony) para dar os meus recados", diz o autor Aguinaldo Silva, apreciador de vinho -toma meia garrafa por dia, no jantar. "Coisa horrorosa é essa mania de brasileiro de, acabada a refeição, pedir outra garrafa, outra garrafa e outra garrafa. Vinho não é chope", diz Aguinaldo. "O Viriato já disse: não quer receber gente assim no restaurante."
 
Fumar charuto - "É totalmente pseudochique, o maior símbolo de status à toa", diz Rogério Fasano. "Fumar um charuto no Gero [restaurante da rede] no fim da tarde, tudo bem. Agora, acender um charuto às 21h com o restaurante lotado não dá", completa. Outro membro do colegiado consultado pela coluna definiu o uso do charuto de forma ostensiva como "defumador de pobreza", que a pessoa fuma não por prazer -mas para mostrar que subiu degraus na escala social. "Não existe nada mais cafona que acender charuto em restaurante. É irritante", diz o ator Raul Cortez.
 
Férias em Trancoso (BA) - O paraíso descolado está virando cafona, de acordo com os consultores da coluna. E por quê? Justamente porque está deixando de ser um paraíso. "Na temporada fica lotado. Falta água, falta gelo, é um mico que não tem tamanho", diz Fasano, que conheceu a primeira mulher, Kiki Romero, no Quadrado, praça do vilarejo. No fim de ano desfilava por lá, entre paulistas e mais paulistas, o empresário Ricardo Mansur, por exemplo. "Paulista deve gostar do Quadrado porque é longe do mar e está cheio de pizzaria", diz Fasano, referindo-se aos penhascos que separam o lugar da praia.
 
Cabelo comprido - "Tem sentido, num país tropical, em que faz calor dez meses por ano?", diz o estilista Ocimar Versolato. "Pior é que são cabelos maltratados, que elas jogam para lá e para cá." Versolato, por sinal, passou o Réveillon em...Trancoso! "Mas na casa da minha sócia [Sandra Habib], onde não falta gelo nem água e tem 40 empregados", ressalva, dando certa razão às críticas de Fasano ao lugar. "Fui ao Quadrado e era um festival de perfumes que você não pode imaginar!"
 
Helicóptero - "Acho cafonérrima essa gente que chega a fazendas ou a ilhas de helicóptero. É uma cafajestice ambulante. Se for alugado, pior ainda", diz Costanza Pascolato, papisa da moda no Brasil. "Em casamentos, os helicópteros quase despenteiam todas as mulheres. É in-su-por-tá-vel. E virou uma febre." Já a atriz Marília Pêra acha "cafonérrimo qualquer carro com alto-falante".
 
Desfilar com mulher bonita - O ator Raul Cortez acha que os homens que desfilam com mulheres bonitas, e cada vez com uma diferente, são "pseudomachões" que se comportam como alguém que vai "comer um prato maravilhoso sem ter paladar suficiente para isso. Tem coisa mais cafona do que a mentira e a mistificação?".
 
Desfilar com seguranças - O que deveria ser sinal de cuidado está virando símbolo de status, na opinião de Rogério Fasano. "Esse país é tão maluco que há pessoas que gostam de mostrar seus seguranças", constata. Como qualquer outro exibicionismo, esse também é jeca.
 
Malhar até secar - "Todas as mulheres de classe média, bem resolvidas financeiramente, resolveram entrar nessa malhação total. É muito deselegante e brega", diz o dramaturgo Aguinaldo Silva. "Quando a mulher é nova, mesmo malhando conserva as gordurinhas. Depois dos 40, não. Como diria a minha mãe, elas ficam parecendo um bacalhau." As preguiçosas, e pelo visto chiques, agradecem.
 
A coluna consultou o seguinte colegiado para esta reportagem: Cosette Alves, Costanza Pascolato, Danuza Leão, Lily Marinho, Marília Pêra, Aguinaldo Silva, Guilherme Guimarães, Ocimar Versolato, Raul Cortez e Rogério Fasano.


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