São Paulo, domingo, 02 de janeiro de 2005

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CRÍTICA

"C.S.I" ordena o caos da violência

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

"C.S.I" vem se firmando como uma espécie de fenômeno das séries de TV. O original -que trata de uma equipe da polícia científica de Las Vegas- já gerou duas outras "sucursais" -em Miami e Nova York-, e os três costumam disputar os primeiros lugares de audiência nos Estados Unidos.
No Brasil, desde o início da temporada 2004/2005 em novembro, ocupa quase toda a faixa "nobre" do canal Sony.
O ovo de Colombo de "C.S.I" é extrair o máximo de sordidez escatológica de cada assassinato e, ao mesmo tempo, circunscrever a violência no território da manipulação científica.
Os detalhes materiais são explorados com hiper-realismo -imagens digitalmente manipuladas mostram balas perfurando epidermes e destroçando músculos, jatos de sangue tingindo paredes, o impacto de uma serra elétrica em um osso e coisas assim- e passam a constituir um quebra-cabeças que, apesar da dificuldade, terá uma solução.
Há sempre uma boa explicação para as coisas serem como são -e por boa entenda-se mensurável, fotografável, captável por alguma espécie de equipamento. Isso torna os crimes decifráveis, não pela investigação psicológica nem pelas circunstâncias sociais, mas simplesmente pelo calibre da arma utilizada pelo criminoso, pelo formato do fiapo, pelas marcas de pneu, pela presença ou ausência de substâncias. Ah, e também pela dedicação canina do chefe da equipe, um sujeito carrancudo que não tem vida pessoal etc.
Essa é a fórmula iniciada pelo primeiro "C.S.I" (sigla para "crime scene investigation") e seguida à risca pelos outros dois. Não poderia haver seriado policial mais adequado para a era de George Bush: repugnante (as reconstituições imaginárias dos efeitos das armas sobre o corpo são, em boa parte, responsáveis pela atração da série) e arrogante (tudo se resolve pela superioridade técnica, tecnológica e moral da polícia sobre os bandidos) em medidas iguais.
Sombrio, escuro, de um tom azulado, "C.S.I" iniciou sua carreira quatro temporadas atrás apostando suas fichas quase exclusivamente em seu roteiro. Ao contrário de outras séries bem-sucedidas, o apelo pop era zero; os atores, obscuros.
Os "novos" -"C.S.I Miami" e "C.S.I Nova York"- já ostentam pelo menos atores bem conhecidos da TV (David Caruso, do primeiro) ou do cinema (Gary Sinise, no segundo).
O sucesso de "C.S.I" fez reviver os seriados policiais -depois, vieram "Without a Trace" e "Cold Case" -que desbancaram os dramas e comédias da lista dos mais vistos nos Estados Unidos. Em todos, a atuação racional e impessoal da polícia ordena o caos da violência em culpados e inocentes, sem ambigüidades e sem dramas.
É como se os americanos projetassem aquilo que eles acreditam ser seu papel no mundo -uma polícia fria, que estabelece a verdade e pune quem quer punir.


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