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TV
Após 130 personagens, ator, que nunca interpretou um vilão clássico, vive um ambicioso empreendedor em "Mad Maria"
Tony Ramos se desvia do caminho do bem
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Tony Ramos, 56, 40 anos de carreira completados em 2004, é um
daqueles poucos atores que a Globo considera indispensáveis.
Há duas semanas, começou a
gravar a minissérie "Mad Maria",
menos de um mês após o encerramento da novela "Cabocla", em
que interpretou Boanerges, personagem que lhe rendeu prêmio
de melhor ator de TV do ano.
Em "Mad Maria", de Benedito
Ruy Barbosa, que estréia no final
de janeiro, Ramos vai interpretar
Percival Farquhar. Apesar de ter
nome de vilão de desenho animado, Farquhar não é exatamente
um vilão clássico, aquele que é
mau do começo ao fim, tipo de
personagem que Tony Ramos
nunca encarnou na televisão, apesar de já ter feito quase 40 novelas.
Farquhar existiu na vida real.
Foi um grande investidor que embarcou na aventura de construir
uma ferrovia no meio da selva
amazônica, a Madeira-Mamoré,
no início do século passado. Sob
seu jugo, morreram milhares de
operários, mas ele acabou na miséria, depois de ter virado empregado de companhias que fundou.
"Mad Maria", megaprodução
da Globo, vai contar a saga da
construção da ferrovia, em Rondônia. Nela, Ramos vai rivalizar
com Antonio Fagundes, um ministro que tentará corromper.
Leia, a seguir, trechos de entrevista concedida por Tony Ramos
à Folha.
Folha - Quantas novelas você fez?
Tony Ramos - Ah, estou ao redor
de 40. Não quero dizer 42 com
medo de mentir, mas de 38 eu sei
que já passei. A Tania Carvalho
[jornalista que lança em 2005 um
livro sobre Ramos, pela coleção
"Aplauso", da Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo] está catalogando. Acho que tenho mais de
130 personagens, o que inclui teleteatros, casos especiais.
Folha - Só na TV?
Ramos - Não. Tenho 20 e tantas
peças, 12 filmes.
Folha - O que é um bom personagem para você?
Ramos - O que me fascina nessa
carreira é quando você encontra a
alma dos personagens. Quando
você acha personagens em que
possa encontrar suas dualidades,
suas contradições, que a muitos
pode parecer até vilania, pode parecer até mau-caratismo. É quando você -e não se trata de humanizar- transforma aquela vilania
e mau-caratismo em algo palpável e não óbvio.
Porque o óbvio é quando você
faz um bandidão e ele é tão óbvio
que você fala: "Puxa, esse cara é o
bandido". Mas o duro é quando
você fala: "Quem é esse cara?".
Folha - É.
Ramos - Não é? Eu vejo a Nazaré,
brilhantemente vivida pela querida Renatinha Sorrah. Essa mulher
é uma bandida, seqüestrou uma
criança. Mas há momentos em
que ela [Sorrah] não a humaniza,
mas mostra essa patologia dela
[Nazaré] sob o aspecto emocional
de uma forma tão brilhante que
você fala: "Pô, que mulher! Se tivesse se tratado, não seria isso".
Então são vários fatores que fazem uma bela novela e um belo
texto. Eu fiz grandes novelas. Da
Tupi, eu citaria "Antônio Maria",
"Nino, o Italianinho", "Ídolo de
Pano", novelas que foram marcantes na minha vida e na de
quem tem mais de 35 anos.
Folha - A Tupi foi sua escola de
TV?
Ramos - Ali eu sempre busquei,
aprendi com os veteranos, eu os
ouvi muito. Aprendi que era fundamental, ao analisar um texto,
encará-lo como se encara no teatro. Então, para mim, eu estou fazendo teatro. Claro que os mais
puristas dirão que televisão não é
teatro. Que me perdoem os puristas, mas eu realmente acho isso
uma besteira. O ator tem que entender um personagem, buscar a
alma dela na TV, no cinema e no
teatro, esquecendo-se de que o
público está sentado ali ao vivo,
esquecendo-se das cinco ou seis
câmeras ou esquecendo-se do
plano a plano do cinema.
Folha - Que personagens você
considera inesquecíveis?
Ramos - Tive belos personagens.
Tive os gêmeos de "Baila Comigo", de Manoel Carlos. Antes eu
tive um belíssimo personagem
que foi André Cajarana, em "Pai
Herói", de Janet Clair. Em "O Astro", também da
Janet Clair, fiz o
primeiro nu
masculino em
novela, na época
da ditadura, em
que foi preciso
pedir por favor
para deixar aquele nu, porque ele
tinha um significado, era um voto à la são Francisco de Assis.
Folha - Você trabalha muito, não?
Ramos - Muito,
eu gosto.
Folha - Faz pelo
menos uma novela por ano?
Ramos - Ah, pelo menos, pelo
menos. Às vezes,
eu consigo, de alguma forma, não
ser seduzido.
Mas sou seduzido por bons projetos. Quando não estou na televisão, estou no teatro. Estou sempre
atento e ativo. E, é claro, também
sei a hora de dar um tempo, sumir
um pouco do mapa.
Folha - Mas você não consegue
sumir muito tempo,
não é? Fez várias
novelas nos últimos
anos.
Ramos - A seqüência começa
em "Torre de Babel", uma novela
fantástica, em que
fiz o José Clementino, outro grande
personagem.
Folha - Desde
"Torre de Babel"
você está na TV ou
está no teatro?
Ramos - Fiz também dois filmes.
Folha - Então você
não pára desde 98?
Ramos - É, para
valer, eu não paro
desde 1998.
Folha - O que é parar para valer?
Ramos - É quando
você usa o ócio. O
ócio é fundamental, é confundido
com não fazer nada.
Folha - Você considera o Boanerges de "Cabocla" um dos maiores
trabalhos da sua carreira?
Ramos - Eu o considero um dos
meus maiores sucessos, um dos
cinco grandes sucessos. Sem dúvida, ele foi um dos homens mais
brasileiros que eu já fiz em toda a
minha vida. Não digo o mais brasileiro, porque fiz o Riobaldo de
"Grande Sertão: Veredas".
Folha - Riobaldo é o grande personagem da sua carreira?
Ramos - Não, não diria isso jamais. Acho, às vezes, quase leviano você dizer: "Esse foi o meu melhor personagem ou essa foi a minha melhor novela". Porque não é
assim que funciona.
O Miguel, de "Laços de Família", por exemplo, era um personagem tão intrinsecamente fechado, lírico, lúdico, diferenciado,
que era fascinante.
Quando você fala de personagens, você lida com gamas diferentes. O Manolo, de "As Filhas
da Mãe", era brilhante. Meus colegas me ligavam, me telefonavam para falar dele.
E veja "Mulheres Apaixonadas". Eu me lembro do dia da gravação da bala perdida. Havia correspondentes da Reuters, da
CNN. Nunca mais vou me esquecer disso nem do aplauso em cena
aberta da população na rua.
E aí chegamos ao Boanerges. O
que a boca do Boanerges disse,
através da minha, eu adorei. Adorei falar sobre ética, sobre vida.
Folha - Agora você sai de um político do bem (Boanerges) para um empresário ambicioso
(Farquhar), ambos
do início do século
passado...
Ramos - Ainda
gravava como
Boanerges quando comecei a ler
sobre Farquhar.
Leio a sinopse e
percebo a saga, o
épico, a loucura, o
delírio que acometem os homens, suas vontades, seus desejos e
suas ambições. Isso encerra tudo no
próprio Farquhar.
Folha - Interessante, não?
Ramos - É claro.
Como é que eu
vou rejeitar esse personagem?
Vou enfrentá-lo, vamos ver o que
vai sair. Acertarei ou errarei, mas
isso também faz parte do jogo. É
claro que eu espero acertar.
Folha - Você está fazendo 40 anos
de carreira?
Ramos - Já fiz,
agora digo que estou com 40 e
meio.
Folha - 2004 foi o
seu ano?
Ramos - Eu ganhei um prêmio
com teatro, já ganhei prêmio com
cinema, o de Gramado e outros. Já
ganhei prêmios
internacionais, já
ganhei prêmio de
várias maneiras.
Neste ano fico feliz com mais um
APCA [Associação Paulista de
Críticos de Artes,
em que ganhou
troféu de melhor
ator, pelo Boanerges de "Cabocla"].
Fico sim, fico feliz,
sim. Não estou esbanjando nada.
Não estou ostentando nada, mas
estou feliz.
Folha - Você já fez um vilão?
Ramos - O que você chamaria de
um vilão clássico, não.
Folha - Nunca?
Ramos - Já fiz em teatro.
Folha - Na TV, não.
Ramos - Na TV fiz o que se chama de vilania perdoável. Pô, você
quer mais vilão do que o Zé Clementino, que assassina a mulher,
o amante dela e jura vingança enquanto estiver na cadeia? Mas ele
tinha valores, se regenerava, era
desculpável.
Folha - O que lhe marca mesmo é o
bom moço, não é?
Ramos - É. E também não tenho
problema com isso, não. Não fico
sem dormir por causa disso. É
porque eu sempre acreditei muito
nesses valores. E sempre acreditei
também que por trás de um mau-caráter tem alguém que não é
mau-caráter 24 horas.
Folha - Farquhar é mau-caráter?
Ramos - Ele não é mau, não chega a ser um vilão, quer dizer, tem
um momento que ele é. A vilania
dele será entendida pelo público.
Folha - Você está casado há 36
anos. É marido de uma mulher só? E
se confunde com os melhores
"bom-caráter" que já interpretou?
Ramos - Sim. E às vezes tem confusão: "Esse cara é muito certinho, é muito isso". Eu não sou
certinho, sou apenas um homem
que ama a sua companheira. É tão
simples como dizer estou com fome. É muito simples o profundo
amor e respeito que eu tenho por
ela [Lidiane]. Ser macho é poder
dizer eu sou, sim, o homem de
uma única mulher.
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