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SÉRIES DE TV
"Angels in America" adapta obra-prima de Tony Kushner, abordando a era Reagan e o surgimento da Aids
Mike Nichols faz retrato de um tempo triste
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Desde que "Angels in America" estreou na Broadway,
em 1993, falava-se de uma adaptação para o cinema deste texto de
Tony Kushner, um marco do teatro americano contemporâneo.
Robert Altman e Neil LaBute
chegaram a anunciar seus projetos, ambos abortados. De fato, nas
condições atuais do cinema
"mainstream" americano, altamente conservador, a produção
de um texto complexo e longo sobre Aids, homossexualismo e política confirmou-se impossível.
Mas não na TV, hoje bem mais
aberta. "Angels in America"
transformou-se em uma premiada minissérie em dois capítulos
produzida pela HBO, com direção de Mike Nichols e estrelada
por Al Pacino, Emma Thompson
e Meryl Streep -agora em DVD.
De certa forma, é uma peça altamente datada, mas aí que reside
sua força. Kushner, que define seu
texto como uma "fantasia gay sobre temas nacionais", retrata Nova York entre 1985 e 86 (na primeira parte) e 1987 e 1990 (na segunda). São tempos sombrios,
marcados pelo conservadorismo
da era Reagan e pela tristeza da
descoberta da "peste gay" (a Aids,
envolvida em desinformação).
Logo nos primeiros minutos,
Prior Walter (Justin Kirk) conta a
seu companheiro Louis (Ben
Shankman) que está com Aids,
deslanchando em Louis um processo de repulsa e culpa que vai levá-lo a abandonar o companheiro
no pior momento da doença.
Paralelamente, conhecemos o
mórmon Joe Pitt (Patrick Wilson), gay enrustido, e sua mulher,
Harper (Mary Louise Parker). Pitt
é assistente de Roy Cohn (Al Pacino, excepcional), advogado republicano ultraconservador e corrupto que também esconde sua
condição homossexual. Na medida em que Prior e Cohn adoecem,
delírios se misturam à realidade:
Prior vê ancestrais que foram vítimas da peste e um anjo; e Cohn
conversa com Ethel Rosenberg,
executada na cadeira elétrica graças à sua atuação como promotor.
"Angels in America" não soa extremamente datado pelo seu recorte histórico, mas, sim, por sua
visão política. Se a primeira parte
é um painel devastador e emocionante de uma época, na segunda
parte Kushner leva às últimas
conseqüências idéias políticas
questionáveis. Não há um diálogo
que não termine com a sugestão
de que os judeus odeiam os negros e vice-versa, sem apontar a
possibilidade disso ser superado.
Mais complicada ainda é a idéia
de que a Aids funcionou como
uma "revelação" da verdade, abolindo a hipocrisia dos "gays" conservadores (que, aliás, são devidamente punidos, em um final que
se revela altamente moralista).
Mesmo desfilando julgamentos
simplistas, a série guarda imensa
força como retrato de um tempo
triste. Seus momentos mais impressionantes mostram a solidão
de uma doença carregada de estigma e a tristeza da opressão política que tenta represar o desejo
humano. Não é pouco.
Angels in America
Direção: Mike Nichols
Distribuidora: Warner, R$ 40, em média
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