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CINEMA
Fragmento de filme mais antigo no Arquivo Nacional, no Rio, foi prova apresentada por pernambucano em 1897
Brasileiro pleiteia a invenção do cinema
ROBERTA NOVIS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Dois anos após a primeira projeção dos irmãos Lumière, um
brasileiro quis convencer o mundo de que era o inventor do cinema. O pernambucano José Roberto da Cunha Sales (1840-1903)
patenteou em 1897 como sua a invenção de projetar imagens em
movimento, apresentando para o
registro seqüência de cenas do
mar batendo num píer que não tinha nem um segundo de duração.
O material, que hoje é o mais
antigo fragmento de filme na história do Brasil, é um dos mais de
70 mil títulos reunidos no acervo
do Arquivo Nacional, no Rio, embrião de uma futura sala que a instituição pretende inaugurar.
O Arquivo Nacional já organiza
há três anos o Festival Internacional de Cinema de Arquivo, o Recine, realizado em setembro, mas
quer exibir periodicamente os filmes de seu acervo.
Sales se intitulava médico, advogado, poeta, empresário de cinema, comerciante, ilusionista,
químico industrial e curandeiro.
Foi juiz, exonerado por corrupção, na cidade de Areal, a 90 km
do Rio, e chegou até a candidatar-se a deputado em Recife.
Cunha Sales é tido por estudiosos como figura fascinante e folclórica. Um típico charlatão, inteligente e criativo, que queria trabalhar pouco e ganhar muito dinheiro no final do século 19.
Foi um dos responsáveis pela
inauguração da primeira sala de
cinema do Brasil, dividindo o título com o empresário italiano Pascoal Segretto. Mas, mal o cinema
fora inventado, em 1895, Cunha
Sales pediu sua patente.
Para pleitear o registro, ele apresentou 11 fotogramas de origem
desconhecida ao Arquivo Nacional, que até o início do século 20
era vinculado ao Ministério da
Justiça e Negócios do Interior,
responsável pelo registro de marcas e patentes.
O cineasta Jurandir Noronha,
homenageado na última edição
do Recine, ofereceu equipamentos antigos para montar o centro
de memórias do cinema brasileiro. "Os fotogramas são os mais
antigos fragmentos conhecidos
do Brasil. Cunha Sales os chamava de fotografias vivas. Ele foi o
brasileiro que mais apresentou
pedido de patentes. Ao todo, foram 26 processos. É uma das personalidades mais curiosas da vida
urbana na belle époque, quando
os centros urbanos viviam a agitação de novas tecnologias e grande
atrativos culturais", diz Clovis
Molinari Júnior, coordenador de
Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional.
O local das imagens dos fotogramas ainda é uma incógnita para os pesquisadores. "Cunha Sales
era muito esperto. Não podemos
identificar o local das imagens,
mas, pelas perfurações da película, é um pedaço de filme da Inglaterra ou EUA. Não foi filmado por
ele", diz o cineasta e pesquisador
Máximo Barro, que escreveu o livro "Na Trilha dos Ambulantes"
(ed. Maturidade), que tem capítulo sobre o pernambucano.
Jogos de azar
Cunha Sales ficou famoso como
grande explorador dos jogos de
azar. Ele criou um museu de cera
chamado Pantheon Ceroplástico,
com personalidades brasileiras
como Tiradentes e Pedro Álvares
Cabral, onde sorteava datas de celebração cívica e premiava os visitantes que tinham o mesmo número no ingresso. A polícia prendeu Cunha Sales e invadiu o museu. O caso virou até crônica de
Machado de Assis.
"Cunha Sales, inventor do Pantheon Ceroplástico, teve certamente a idéia de só gastar cera
com bons defuntos, mas acaba de
aprender que podia gastar com
piores. Não falo dos propriamente mortos, mas dos vivos, a quem
quis ensinar história por meio de
visita de pessoas históricas. Não
podendo fazê-lo de graça, estabeleceu uma entrada, creio que módica; é o que faz qualquer escola
de primeiras letras. As mesmas faculdades libérrimas aceitam custo
da matrícula", escreveu Machado.
"A diferença é que alguns dos
espectadores do ceroplástico recebem prêmio. Creio que foi esta
circunstância que lembrou ao governo mandar anular a patente
que deu ao inventor", conclui.
Entre seus pedidos de patentes
mais inusitados, estão a invenção
da fórmula do Sabão Mágico,
contra espinhas, sardas e manchas, que ele dizia ser "a última
palavra do século 19 sobre química industrial"; um Cristal-Esmalte
para preservar oxidação de objetos de ferro; um carro destinado à
publicidade de anúncios, denominado Imprensa Ambulante; e
Lavagem Americana, que lavava
roupa sem sabão. Inventou também uma água estomacal denominada Aperitivo Americano
contra moléstias do estômago.
"Cunha Sales tinha muita imaginação. Era um criador de espírito irrequieto", diz Molinari.
Mas, segundo Máximo Barro,
Cunha Sales enganou muitas pessoas humildes e doentes e inclusive teve sua patente de inventor
cassada pelo governo federal. "Ele
era mau-caráter em muitas coisas. Foi preso e processado diversas vezes. Sales anunciava que podia curar doenças apenas colocando as mãos nas cabeças dos
enfermos e dizia que podia ensinar a ler e escrever baseado nas sete notas musicais", afirmou.
Cunha Sales morreu provavelmente de hanseníase, adquirida
numa dessas sessões de cura, em
Niterói, onde está enterrado. Os
pesquisadores nunca tiveram
acesso à certidão de óbito, mas
não descartam a possibilidade de
ele ter morrido louco.
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