São Paulo, sábado, 2 de janeiro de 1999

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CINEMA NA TV
Cultura exibe "Mãe e Filho", de Sokurov

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Imagine o doloroso tormento de Dostoiévski escrito em estilo nouveau roman. Ou a paisagem solitária de Caspar David Friedrich captada pela duração real da câmera de Andy Warhol. Ou a fotogenia de Jean Epstein filmada na cadência ritual de Andrei Tarkovski.
Essas comparações e combinações talvez dêem idéia aproximada do que seja o filme russo "Mãe e Filho", de Alesandr Sokurov, que a TV Cultura exibe hoje, às 22h30.
Isso porque é justamente uma obra única, conjugação extrema numa voz de primeira pessoa singularíssima.
O ralo entrecho cabe numa reles sinopse e o tratamento transcende o tema de tal modo que, paradoxalmente, expressa-o na dimensão exata de sua grandeza.
Mera trama: filho vela a calma agonia da mãe às vésperas da morte iminente.
˛ Trama
Aqui a "mãe russa" não é metáfora épica ou ufanista, à moda dos fervores de Pudovkin ou Medvekine. O tom alegórico é tão íntimo que, mesmo com algo político, revela-se remoto perto da em sagrada alegoria cósmica e metafísica.
Exibido na Mostra Internacional de Cinema em 1997 e inédito comercialmente, é certo que, no formato redutor da televisão, perde um tanto de sua força. Mas ela é tamanha que, no frigir dos índices de audiência, a chance de ver não aflige perdas e danos.
De concepção pictórica, "Mãe e Filho" (1997, 73 minutos) organiza a experiência como duração/percepção do tempo, ralentação da dor impregnada na imanência imagética. É uma lírica autópsia austera, sem anestesia, de uma longa angústia, a prolongada agonia da vida e do próprio cinema.
Após a inquietude corrosiva de Kanevski ("Não se Mexa, Morra, Ressuscite", "Uma Vida Independente"), a Rússia oferece a subversão contida de Sokurov. Não é pouco de um país que, como disse Godard, é "a pátria da ficção", último reduto de redenção para um Ocidente que "não sabe mais o que inventar".



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