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CINEMA NA TV
Cultura exibe "Mãe e Filho", de Sokurov
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
Imagine o doloroso tormento de
Dostoiévski escrito em estilo nouveau roman. Ou a paisagem solitária de Caspar David Friedrich captada pela duração real da câmera
de Andy Warhol. Ou a fotogenia de
Jean Epstein filmada na cadência
ritual de Andrei Tarkovski.
Essas comparações e combinações talvez dêem idéia aproximada
do que seja o filme russo "Mãe e Filho", de Alesandr Sokurov, que a
TV Cultura exibe hoje, às 22h30.
Isso porque é justamente uma
obra única, conjugação extrema
numa voz de primeira pessoa singularíssima.
O ralo entrecho cabe numa reles
sinopse e o tratamento transcende
o tema de tal modo que, paradoxalmente, expressa-o na dimensão
exata de sua grandeza.
Mera trama: filho vela a calma
agonia da mãe às vésperas da morte iminente.
˛
Trama
Aqui a "mãe russa" não é metáfora épica ou ufanista, à moda dos
fervores de Pudovkin ou Medvekine. O tom alegórico é tão íntimo
que, mesmo com algo político, revela-se remoto perto da em sagrada alegoria cósmica e metafísica.
Exibido na Mostra Internacional
de Cinema em 1997 e inédito comercialmente, é certo que, no formato redutor da televisão, perde
um tanto de sua força. Mas ela é tamanha que, no frigir dos índices de
audiência, a chance de ver não aflige perdas e danos.
De concepção pictórica, "Mãe e
Filho" (1997, 73 minutos) organiza
a experiência como duração/percepção do tempo, ralentação da
dor impregnada na imanência
imagética. É uma lírica autópsia
austera, sem anestesia, de uma
longa angústia, a prolongada agonia da vida e do próprio cinema.
Após a inquietude corrosiva de
Kanevski ("Não se Mexa, Morra,
Ressuscite", "Uma Vida Independente"), a Rússia oferece a subversão contida de Sokurov. Não é
pouco de um país que, como disse
Godard, é "a pátria da ficção", último reduto de redenção para um
Ocidente que "não sabe mais o que
inventar".
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