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LIVRO - LANÇAMENTOS
Vidal leva EUA ao "Além da Imaginação"
MARCELO PEN
especial para a Folha
Gore Vidal
teria enlouquecido? Perdido a mão ao
perpetrar seu
24º romance?
Afinal, precisamos passar
das primeiras 30 páginas, no mínimo, para perceber que não se trata
de uma ficção científica dirigida ao
público juvenil. Mas, assim como
"As Viagens de Gulliver" ou "Alice
no País das Maravilhas", "Fundação Smithsonian" é bem mais do
que mera fantasia.
Se bem que é difícil acreditar nisso, no início. Em 1939, o garoto T. é
misteriosamente convocado pela
fundação do título. Há de fato uma
instituição como essa em Wa-
shington, fundada com dinheiro
do químico inglês James Smithson. A do livro, porém, é diferente.
Uma espécie de Abraham Lincoln desmemoriado, perito em cerâmica, faz as vezes de administrador. Os manequins de gesso das
exposições de História Americana
ganham vida após a saída do público. Uma engenhoca termodinâmica mostra o passado, como numa
televisão. O próprio dr. Smithson
pode ser uma espécie de boneco-mor que, oculto no porão de sua
fundação fantasma, joga com a vida de todos.
T. escapa por pouco de ser devorado pelos nativos da Mostra dos
Primeiros Índios. É salvo por uma
"escrava branca" que depois revela
ser esposa do 22º presidente americano, a primeira-dama Frankie
Cleveland, com quem perde a virgindade. Voa com Charles Lindebergh no "The Spirit of St. Louis".
Ajuda os EUA a desenvolverem o
projeto da bomba atômica, elaborando uma fórmula que limita a
reação em cadeia da fissão nuclear.
Mas, quando encontra uma cópia sua, vestida de fuzileiro, com
um buraco do tamanho de uma
bola de basquete nas costas, numa
mostra possivelmente dedicada à
futura Segunda Guerra Mundial,
T. percebe que precisa fazer algo. E
decide mudar a história.
Começa aqui a melhor parte do
livro. O truque é deter a candidatura de Woodrow Wilson, evitando a
Primeira Guerra e, em consequência, a Segunda. A partir de mirabolantes equações de espaço-tempo,
da física quântica retirada da revista "Popular Mechanics" e de US$
100 mil surrupiados do Briggs
Bank, T. atinge seu intento. Daí em
diante, como Marx teria confirmado, a história se repete como farsa.
Impede-se a Primeira Guerra,
mas não a Segunda, pois T. esquecera os japoneses. Trotski é agora o
presidente da União Soviética; Hitler, ou melhor, Shekel Grubert,
um pedante arquiteto. Diante do
conflito, há uma mobilização dos
ex-presidentes mortos e as primeiras-damas. Franklin D. Roosevelt,
não mais numa cadeira de rodas, é
convidado para uma sessão para lá
de espírita, na fundação.
A pena de Vidal se afia no retrato
desse respeitável bando. O presidente James Buchanan, vestido de
mulher, prefere ser chamado de
sra. Buchanan. George Washington acusa os EUA de se transformarem em potência colonialista.
"Nós mesmos nos tornamos os
conquistadores", dispara. Roosevelt reclama da reunião: "Alguém
me drogou para que eu tivesse esse
horrível pesadelo?".
Por trás do humor e das teses
científicas estapafúrdias, esconde-se uma visão cáustica da história
americana, na qual jovens servem
como bucha de canhão para que os
EUA cumpram o duvidoso papel
de "árbitro da guerra e da paz em
todos os lugares do mundo". T. pode ser a inicial de Trimble.
Jimmie Trimble, paixão adolescente de Vidal, estudou com ele na
St. Albans School (a mesma de T.)
e morreu na batalha de Iwo Jima,
na Segunda Guerra Mundial. Vidal
sugere, em "Palimpsesto", que
gostaria de trazê-lo à vida. "Fundação Smithsonian" é sua chance de
exercer seu lado Frankenstein.
Com toques de "Além da Imaginação" e "Túnel do Tempo", "Fundação" é bem mais leve do que os
romances históricos do autor. A
ênfase agora está no simulacro.
Como indagou Vidal numa entrevista à revista "Wired", "Disney
pode nos salvar?".
²
Livro: Fundação Smithsonian
Autor: Gore Vidal
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 25 (272 págs.)
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