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Um dos grandes pensadores brasileiros lança livro com interpretação sobre o país
O Brasil (segundo Milton Santos)
Em "O Brasil", geógrafo baiano faz o primeiro grande retrato nacional posterior à globalização
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Jarbas Oliveira/Folha Imagem
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O geógrafo baiano Milto Santos, 74, da Usp, que está lançando "O Barsil: Território e Sociedade no Início do Século 21" |
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil globalizado está ganhando seu primeiro retrato de
corpo inteiro. O responsável pela
fotografia fez bem mais do que
um Oiapoque ao Chuí intelectual
antes de bater essa chapa.
Nascido na cidadezinha baiana
de Brotas de Macaúbas, Milton
Santos começou a lecionar aos 15
e já espalhou suas idéias tanto em
salas da Universidade de Sorbonne, em Paris, quanto da Universidade Dar Assalaam, na Tanzânia.
Em meio a essas e outras expedições, Santos atingiu o Everest de
sua disciplina. Ganhou em 1995 o
Prêmio Vautrin-Lud, considerado o Nobel da geografia.
Aos 74, ele chega agora ao provável pico de uma carreira pontuada por "uns 50 livros". O professor emérito da Universidade de
São Paulo, o primeiro negro a
conseguir esse título, está lançando pela editora Record o livro "O
Brasil: Território e Sociedade no
Início do Século 21".
No trabalho assinado junto com
a pesquisadora argentina María
Laura Silveira, o geógrafo segue a
picada aberta por um seleto grupo de intelectuais. Assim como os
"bandeirantes" Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Hollanda e
Caio Prado Júnior, ele fez a sua interpretação do Brasil, a primeira a
pesar os efeitos da globalização.
"Esse livro reúne todo o estudo
de geografia que venho fazendo e
tenta aplicá-lo ao Brasil. É o resultado de pelo menos 25 anos de
elaborações teóricas", explica à
Folha o geógrafo.
Para "fazer o território falar pela
nação", ele mergulhou em um
trabalho de equipe. Apoiado por
20 pesquisadores, fez os mais diversos possíveis levantamentos
de dados sobre como o brasileiro
trabalha, se locomove, gasta, poupa, planta, colhe -assim vai.
O resultado das pesquisas "não
está em computador não", diz orgulhoso o crítico ácido da globalização, que garante que nunca vai
usar a Internet ("pressa para
quê?"). Está tudo armazenado em
dezenas de caixas de papelão com
etiquetas como "agricultura", "telecomunicações" e "educação".
Foi em uma sala repleta delas,
escondida em "uma catacumba"
do prédio de geografia da Universidade de São Paulo, que o pensador recebeu a Folha para mostrar
flashes desse seu retrato do Brasil.
Folha - No início de "O Brasil", o
sr. escreve que Darcy Ribeiro interpretou o país a partir de seu povo,
Florestan Fernandes, a partir da
cultura, e que Celso Furtado buscou um retrato com uma matriz
econômica. Gostaria que o sr. falasse sobre a moldura que o sr. usou
para seu retrato do Brasil.
Milton Santos - Interpretei o Brasil a partir do seu território. Ele é a
personagem central dessa leitura.
Quero mostrar que o território
permite fazer falar a nação.
Um intelectual com ambição
globalizante pretende que seu discurso seja representativo da realidade. A pretensão é igual à de Sérgio Buarque de Hollanda e de Celso Furtado. A diferença é que o resultado é menor. Mas assim como
acontece com Celso, Buarque ou
Florestan, quero que um sujeito
que leia essa obra no Japão ou na
Cochinchina entenda o Brasil.
Folha - Como o sr. definiria o conceito de território de "O Brasil"?
Santos - No começo da história,
havia a natureza. Vem o homem,
se instala e começa a agregar novas coisas. Ele produz o território,
dessa forma. Pode-se definir o
território a partir do Estado, como na ciência política, ou pelos
acidentes geográficos, como fazia
outrora a geografia. Aqui na USP
trabalhamos com a idéia de que o
território é a construção da base
material sobre a qual a sociedade
produz sua própria história.
Folha - Quais os maiores desafios
em discutir as questões territoriais
em um momento em que a globalização torna os limites geográficos
cada vez mais permeáveis?
Santos - Um dos grandes desafios é da própria tradição da geografia. Durante sua vida, ela trata
o território como um quadro negro sobre o qual a sociedade reescreve sua história. A ambição desse trabalho é negar essa visão do
território. Ele também é dinâmico, vivo. A sociedade incide sobre
o território e esse, na sociedade.
Com relação à pergunta, podemos falar daquilo que sociólogos
chamam de desterritorialização,
que viria da globalização. É o contrário. Nunca o território foi tão
importante para a economia, para
a sociedade e até para a cultura.
Folha - Qual momento específico
da ocupação do território brasileiro acentuou de modo mais relevante as desigualdades sociais?
Santos - A globalização. Ela representa mudanças brutais de valores. Os processos de valorização
e desvalorização eram relativamente lentos. Agora há um processo de mudança de valores que
não permite que os atores da vida
social se reorganizem. Até a classe
média, que parecia incólume, está
aí ferida de morte.
Folha - Em "O Brasil" o sr. diz que
a globalização agrava as diferenças regionais brasileiras. Até que
ponto ela também integra?
Santos - Ela unifica, não integra.
Há uma vontade de homogeneização muito forte. Unifica em benefício de um pequeno número
de atores. A integração é mais
possível do que era antes. As novas tecnologias são uma formidável promessa. A globalização é
uma promessa realizável e a integração será realizada.
Folha - Que mudanças mais radicais os avanços tecnológicos causam do ponto de vista geográfico?
Santos - A mais radical é a tecnização da natureza. A substituição
cada vez maior de uma ordem natural para uma ordem técnica,
com todos os seus constrangimentos, seu discurso, sua sedução. É uma produção ao mesmo
tempo do real e do mitológico.
Ao longo dos séculos, as mitologias eram produzidas pelos povos. Hoje não. Três ou quatro
marqueteiros se juntam, produzem uma mitologia e vendem. A
cidade, por exemplo, é tida por
aqui como um lugar miserável.
Folha - E o que o sr. acha disso?
Santos - As cidades não são nada
disso. A cidade é o único lugar em
que se pode contemplar o mundo
com a esperança de produzir um
futuro. Mas se criou toda uma liturgia anticidade. A cidade, porém, acaba mostrando que não
existe outro caminho senão o socialismo. Para evitar que as pessoas acreditem nisso, há todo um
foguetório ideológico para dizer
que a cidade é uma droga. Imagine ir morar num campo. Só um
louco quer morar em uma cidadezinha do interior.
Folha - Qual opinião exposta em
"O Brasil" o sr. acredita que vai
causar mais polêmica?
Santos - Gostaria que fosse a ingovernabilidade. O modo como o
território é usado aponta a ingovernabilidade da nação, dos Estados e das cidades. Existe um despreparo político e intelectual para
enfrentar contradições.
Folha - Quais as soluções para essa ingovernabilidade?
Santos - Creio que é preciso ampliar a produção do discurso. Depois deve se reequacionar as relações sociais no território.
Folha - O sr. diz: "A territorialidade humana pressupõe a preocupação com o destino". Qual deve ser o
nosso destino?
Santos - Você está me lançando
a presidente da República (risos)?
Creio que o que está acontecendo
já é a produção de um outro tipo
de massa, sobretudo na cidade.
Por aí a coisa vai. Contatar essa
busca de sentido das massas é o
caminho. Quem não for um bom
rapper ou algo assim vai ficar na
rabeira. A população quer novos
intérpretes para essa questão.
Folha - E por que as interpretações amplas sobre o país, que foram relativamente comuns até os
anos 50, entraram em desuso?
Santos - Acredito que a culpa é
da universidade. Tanto ela quanto
as instituições que financiam pesquisas querem respostas rápidas,
trabalhos de curtos prazo.
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