São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2008

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"Dilemas não eram éticos", diz Judt

Para historiador britânico, intelectuais franceses só recentemente passaram a se preocupar com direitos e moralidade política

Os dilemas dos anos 50 não eram eticamente desafiadores. Dilemas da atual situação colombiana são morais", diz britânico

DA REPORTAGEM LOCAL

Professor da Universidade de Nova York e influente pensador da Europa contemporânea, Tony Judt é ácido em sua análise sobre o papel de alguns dos principais nomes da geração de ouro do pensamento francês no século 20.
Em "Passado Imperfeito", ele não faz uma história do pensamento francês, mas se detém nos dilemas morais de pensadores, comunistas ou não, em um momento em que eram conhecidas as perseguições e os julgamentos-espetáculos do leste europeu. O resultado é demolidor.
Judt aponta características como a "atração pela violência" e "ausência notável de preocupação com a ética pública ou com a moralidade política". Em entrevista concedida por e-mail, ele comenta a particularidade francesa, aponta Albert Camus como um nome que vai eclipsar seus contemporâneos e comenta a decadência do pensamento francês. (MARCOS STRECKER)

 

FOLHA - Os intelectuais franceses estão em crise? Isso pode ser relacionado com a geração descrita no seu livro (1944-1956)?
TONY JUDT -
Os intelectuais franceses estão em declínio -em influência e sobretudo em sua "qualidade" desde os anos 60. O declínio na influência vem do crescimento das novas mídias, assim como a posição menos relevante da França. O declínio em qualidade tem relação com esses fatores, mas também porque os talentos franceses mais interessantes agora fazem estudos acadêmicos, negócios e política pública e não atividades "intelectuais" no sentido antigo.

FOLHA - Ética e direitos individuais são importantes no debate público francês?
JUDT -
Sim, mas apenas nos últimos anos. Até 25 anos atrás, os debates franceses ainda eram centrados em abstrações, "ideologias", temas estético-literários. O colapso do marxismo e a emergência do tema dos direitos no leste europeu foi importante para mudar a ênfase que havia até os anos 70.

FOLHA - Raymond Aron, Sartre, Camus, Simone de Beauvoir, Merleau-Ponty, François Mauriac... Quem cresceu ou diminuiu com o julgamento da história?
JUDT -
Como romancista, Mauriac pode ser aquele que sobreviverá por mais tempo. Aron tinha a melhor mente analítica e alguns dos seus textos terão impacto acadêmico duradouro. Sartre não será lembrado por suas idéias ou textos, mas como um símbolo do "intelectual engajado" de uma era. Simone de Beauvoir será uma pequena nota de rodapé nos livros de história, lembrada como amiga de Sartre e como uma das primeiras escritoras do feminismo. Mas acho que é a reputação de Albert Camus que vai eclipsar a de todos, como moralista e como intelectual público.

FOLHA - O sr. é crítico também a nomes atuais como Bernard-Henri Lévy. Até onde pode ser honesta a visão dos intelectuais, com a história e com suas vidas pessoais?
JUDT -
Não acho que Bernard-Henri Lévy seja desonesto. Mas ele tem uma idéia largamente superestimada de sua própria importância, muda de temas constantemente, é profundamente inseguro intelectualmente e, como conseqüência, escreve em excesso. É um produto e uma vítima da geração da TV, na qual o escritor (ou apresentador) é o objeto de suas próprias atividades. Claro que é difícil -talvez impossível- ser honesto com relação à história e consigo mesmo, e isso não é apenas um problema de intelectuais. Mas o narcisismo de BHL torna ele pior do que a maioria.

FOLHA - Como o sr. vê o apoio de intelectuais como o filósofo André Glucksmann ao presidente francês Nicolas Sarkozy?
JUDT -
Os "novos filósofos" estavam certos nas suas críticas feitas nos anos 70 ao stalinismo, ao maoísmo etc. Ainda que não tenham sido especialmente originais. Mas Glucksmann especialmente não pode distinguir entre crimes e erros: é um típico intelectual francês com posições imodestas -primeiro de um lado, agora do outro. Seu apoio a Sarkozy significa pouco para o presidente, mas fez Glucksmann parecer menor.

FOLHA - A polêmica envolvendo seqüestros pelas Farc na Colômbia representa um dilema moral para intelecutais de esquerda semelhante àquele que os franceses enfrentaram no Pós-Guerra?
JUDT -
Não exatamente. Os dilemas dos anos 50 não eram eticamente desafiadores -os crimes do comunismo eram bem conhecidos se você quisesse vê-los-, mas eram complexos para marxistas e outros que ainda tinham ilusões sobre o leste e desconfiavam da América da Guerra Fria. Os dilemas da situação colombiana são genuinamente morais, com compromissos ambíguos do ponto de vista ético de qualquer ângulo que você olhe. Um pouco como os dilemas na Irlanda do Norte dos anos 80 e 90.

FOLHA - Como o senhor viu a repercussão da reportagem "A morte da cultura francesa", publicada na capa da versão européia da revista "Time", em 3 de dezembro?
JUDT -
A repercussão na França diz mais sobre perda da autoconfiança nacional e cultural do país do que sobre a revista "Time". E também existe o fato de que os franceses detestam serem tutelados por americanos ignorantes, mas amam o fato de que americanos ainda liguem para eles.

FOLHA - A dificuldade em se usar rótulos políticos (direita/esquerda, conservadores/liberais) é maior na França? O passado ligado à Revolução Francesa é determinante?
JUDT -
Talvez. Mas em outros países não é mais fácil. O que distingue os franceses é que a direita lá foi por um longo período nacionalista, chauvinista, religiosa e até monárquica, mas não foi economicamente de direita. A esquerda foi até muito recentemente comprometida com a linguagem de revolução e luta de classes que não praticou por um século. Os dois lados ficaram longe da modernidade e da realidade européia. Os dois lados compartilham de uma preferência pela atividade centrada no Estado com a dominação francesa de uma "pequena" Europa.


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