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"Dilemas não eram éticos", diz Judt
Para historiador britânico, intelectuais franceses só recentemente passaram a se preocupar com direitos e moralidade política
Os dilemas dos anos 50 não eram eticamente desafiadores. Dilemas da atual situação colombiana são morais", diz britânico
DA REPORTAGEM LOCAL
Professor da Universidade de
Nova York e influente pensador da Europa contemporânea,
Tony Judt é ácido em sua análise sobre o papel de alguns dos
principais nomes da geração de
ouro do pensamento francês no
século 20.
Em "Passado Imperfeito",
ele não faz uma história do pensamento francês, mas se detém
nos dilemas morais de pensadores, comunistas ou não, em
um momento em que eram conhecidas as perseguições e os
julgamentos-espetáculos do
leste europeu. O resultado é demolidor.
Judt aponta características
como a "atração pela violência"
e "ausência notável de preocupação com a ética pública ou
com a moralidade política".
Em entrevista concedida por
e-mail, ele comenta a particularidade francesa, aponta Albert
Camus como um nome que vai
eclipsar seus contemporâneos
e comenta a decadência do pensamento francês.
(MARCOS STRECKER)
FOLHA - Os intelectuais franceses
estão em crise? Isso pode ser relacionado com a geração descrita no seu
livro (1944-1956)?
TONY JUDT - Os intelectuais
franceses estão em declínio
-em influência e sobretudo em
sua "qualidade" desde os anos
60. O declínio na influência
vem do crescimento das novas
mídias, assim como a posição
menos relevante da França. O
declínio em qualidade tem relação com esses fatores, mas também porque os talentos franceses mais interessantes agora fazem estudos acadêmicos, negócios e política pública e não atividades "intelectuais" no sentido antigo.
FOLHA - Ética e direitos individuais
são importantes no debate público
francês?
JUDT - Sim, mas apenas nos últimos anos. Até 25 anos atrás,
os debates franceses ainda
eram centrados em abstrações,
"ideologias", temas estético-literários. O colapso do marxismo e a emergência do tema dos
direitos no leste europeu foi
importante para mudar a ênfase que havia até os anos 70.
FOLHA - Raymond Aron, Sartre, Camus, Simone de Beauvoir, Merleau-Ponty, François Mauriac... Quem
cresceu ou diminuiu com o julgamento da história?
JUDT - Como romancista,
Mauriac pode ser aquele que
sobreviverá por mais tempo.
Aron tinha a melhor mente
analítica e alguns dos seus textos terão impacto acadêmico
duradouro. Sartre não será
lembrado por suas idéias ou
textos, mas como um símbolo
do "intelectual engajado" de
uma era. Simone de Beauvoir
será uma pequena nota de rodapé nos livros de história, lembrada como amiga de Sartre e
como uma das primeiras escritoras do feminismo. Mas acho
que é a reputação de Albert Camus que vai eclipsar a de todos,
como moralista e como intelectual público.
FOLHA - O sr. é crítico também a
nomes atuais como Bernard-Henri
Lévy. Até onde pode ser honesta a
visão dos intelectuais, com a história
e com suas vidas pessoais?
JUDT - Não acho que Bernard-Henri Lévy seja desonesto. Mas
ele tem uma idéia largamente
superestimada de sua própria
importância, muda de temas
constantemente, é profundamente inseguro intelectualmente e, como conseqüência,
escreve em excesso. É um produto e uma vítima da geração
da TV, na qual o escritor (ou
apresentador) é o objeto de
suas próprias atividades. Claro
que é difícil -talvez impossível- ser honesto com relação à
história e consigo mesmo, e isso não é apenas um problema
de intelectuais. Mas o narcisismo de BHL torna ele pior do
que a maioria.
FOLHA - Como o sr. vê o apoio de
intelectuais como o filósofo André
Glucksmann ao presidente francês
Nicolas Sarkozy?
JUDT - Os "novos filósofos" estavam certos nas suas críticas
feitas nos anos 70 ao stalinismo, ao maoísmo etc. Ainda que
não tenham sido especialmente originais. Mas Glucksmann
especialmente não pode distinguir entre crimes e erros: é um
típico intelectual francês com
posições imodestas -primeiro
de um lado, agora do outro. Seu
apoio a Sarkozy significa pouco
para o presidente, mas fez
Glucksmann parecer menor.
FOLHA - A polêmica envolvendo
seqüestros pelas Farc na Colômbia
representa um dilema moral para
intelecutais de esquerda semelhante àquele que os franceses enfrentaram no Pós-Guerra?
JUDT - Não exatamente. Os dilemas dos anos 50 não eram
eticamente desafiadores -os
crimes do comunismo eram
bem conhecidos se você quisesse vê-los-, mas eram complexos para marxistas e outros que
ainda tinham ilusões sobre o
leste e desconfiavam da América da Guerra Fria. Os dilemas
da situação colombiana são genuinamente morais, com compromissos ambíguos do ponto
de vista ético de qualquer ângulo que você olhe. Um pouco como os dilemas na Irlanda do
Norte dos anos 80 e 90.
FOLHA - Como o senhor viu a repercussão da reportagem "A morte da
cultura francesa", publicada na capa
da versão européia da revista "Time", em 3 de dezembro?
JUDT - A repercussão na França diz mais sobre perda da autoconfiança nacional e cultural
do país do que sobre a revista
"Time". E também existe o fato
de que os franceses detestam
serem tutelados por americanos ignorantes, mas amam o fato de que americanos ainda liguem para eles.
FOLHA - A dificuldade em se usar
rótulos políticos (direita/esquerda,
conservadores/liberais) é maior na
França? O passado ligado à Revolução Francesa é determinante?
JUDT - Talvez. Mas em outros
países não é mais fácil. O que
distingue os franceses é que a
direita lá foi por um longo período nacionalista, chauvinista,
religiosa e até monárquica, mas
não foi economicamente de direita. A esquerda foi até muito
recentemente comprometida
com a linguagem de revolução e
luta de classes que não praticou
por um século. Os dois lados ficaram longe da modernidade e
da realidade européia. Os dois
lados compartilham de uma
preferência pela atividade centrada no Estado com a dominação francesa de uma "pequena"
Europa.
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