São Paulo, terça-feira, 02 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Autor tratava história como elemento vivo

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

As vozes antiditadura mais significativas da Argentina vão silenciando-se uma a uma. Em outubro, morreu a cantora Mercedes Sosa. Agora, vai-se o escritor Tomás Eloy Martínez.
O argentino trabalhou em vários suportes: ensaios, reportagens, artigos para jornais de vários países e romances.
A característica mais comum de seus textos era a tentativa de expor a história do país como algo vivo e essencial para a reflexão seja sobre a ficção, seja sobre a realidade.
Apesar da posição combativa contra o regime militar argentino (1976-1983), Martínez não viveu nenhum dia de chumbo em seu país. Exilou-se muito cedo, em 1975, primeiro na Venezuela, depois nos EUA, de onde só voltou em 1984.
Pouco antes, teve seu relato "A Paixão Segundo Trelew" (1974), sobre o massacre de presos políticos num presídio na Patagônia, queimado pelas autoridades em praça pública.
O período histórico que mais o fascinava era o do peronismo. No final dos anos 60, conheceu o próprio Juan Domingo Perón e gravou com ele várias horas de entrevistas. Foram o ingrediente principal para que escrevesse os romances políticos "Santa Evita" (1995) e "Romance de Perón" (1985).
Ambos compõem o principal de sua obra. São uma mistura de história e ficção, costurada por uma narrativa envolvente, em que Martínez trata o período sem maniqueísmos e ressaltando a importância das características psicológicas dos personagens nos acontecimentos. Ainda, joga luz às reações e ao comportamento da sociedade, relativizando o peso de personagens históricos isolados.
O mundo do jornalismo, ofício de que tanto gostava, aparece em "O Voo da Rainha" (2002), inspirado no caso brasileiro Pimenta Neves. "O Cantor de Tango" (2004), por sua vez, é uma viagem nostálgica pela Buenos Aires tangueira, uma trama de mistério em que um cantor imaginário aparece de surpresa para cantar em pontos inusitados do mapa da cidade. Na obra mais recente, "Purgatório" (2008), com um toque ficção científica, Martínez dá vida ao fantasma de um desaparecido da ditadura.
Assim como alguns colegas de geração, como o mexicano Carlos Fuentes e o peruano Mario Vargas Llosa, Martínez estava sempre opinando sobre política e temas do noticiário.
Mesmo vivendo nos EUA, acompanhou revoltado o "estallido" [crise política argentina de 2001] e, recentemente, comemorou a vitória de Obama. Apesar de realista, defendia que a América Latina devia lutar por um posto de protagonista na geopolítica mundial.
Em entrevista à Folha em 2004, ainda durante os anos Bush, disse: "Não acho positivo que sejamos países pouco importantes. Os EUA são uma potência hegemônica e sua voz se irradia. Se somos desimportantes para eles, deixamos de sê-lo também para a União Europeia e para o Oriente."


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