São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2001

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TEATRO/CRÍTICA

"Os Sete Gatinhos" apresenta montagem reverente

KIL ABREU
ESPECIAL PARA A FOLHA

Por via do melodrama suburbano que se seguiu às peças da chamada "fase mítica", Nelson Rodrigues leva à cena as rachaduras na consciência da classe média carioca a partir do final dos anos 50. São textos que recuperam as interdições da moral coletiva (representadas pelo desejo sublimado também ao ponto da mitificação) para, em seguida, seviciá-las por meio de personagens levados a assumir diferentes desregramentos.
O mote em "Os Sete Gatinhos" é a virgindade de Silene, exaltada religiosamente pelo pai, Noronha, e em torno da qual a vida das outras mulheres da família se projeta e organiza. Em certa altura, os valores instituídos vêm abaixo, ao tempo em que se ergue, por meio de uma sórdida liturgia, o espaço de revelação onde se manifestam os instintos mais elementares.
A montagem dirigida por Vadim Nikitin é anunciada em tom existencialista (por Cazuza grunhindo saborosamente frases de Clarice Lispector) e encerrada como trocadilho extraído de uma cantiga de roda.
É pena que o traçado central do espetáculo não tenha a mesma marca firme de seu contorno, ainda que as opções sejam discutíveis. A intenção do diretor em estabelecer um jogo cênico autoral e em ampliar o alcance do texto fica suspensa diante da hesitação entre acompanhar fielmente a dramaturgia ou avançar sobre ela, estabelecendo uma fala própria.
Essa dúvida sobre o código com o qual o espetáculo comunica é mais evidente na condução dos atores. O elenco ora vive os personagens com inteireza realista e sem nenhuma distância crítica (é o caso das ótimas Déborah Lobo/ Aurora e Tatiana Thomé/Silene), ora o faz com desempenho de igual qualidade, mas em registro diferente, pontuado pela auto-ironia (Luis Miranda/seu Noronha e Mila Ribeiro/d. Aracy).
Embora o espetáculo não se decida pela amplificação do jogo teatral, o saldo artístico é positivo e conquista a platéia, o que não encobre as ditas incertezas na concepção cênica. Só pela confirmação dos meios teatrais apenas esboçados saberíamos como a companhia de fato quer intervir e interpretar sua matéria de base.
Afora isso, sobra uma boa, mas reverente montagem, que investe pouco no seu apenas insinuado salto poético.



Os Sete Gatinhos
  
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Vadim Nikitin
Com: Luis Miranda, Mila Ribeiro, Tatiana Thomé, Déborah Lobo, Cibele Forjaz, José Germano Melo, Edgar Castro e outros
Onde: TBC (r. Major Diogo, 315, Bela Vista, tel. 3115-4622)
Quando: hoje e amanhã, às 19h; dom., às 18h
Quanto: R$ 15




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