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CARLOS HEITOR CONY
Alegria, alegria, a camisa-reclame e o fardão
O balanço de qualquer
Carnaval, por tradição e
gosto, é sempre melancólico. Não
é mais tempo de chorar as colombinas que traíram o pierrô lunar
com o arlequim servidor de todos
os amos. Eles passaram de moda.
Davam um clima de desafio, de
dor-de-corno e de pecado aos carnavais de antigamente. Daí a
nostalgia recorrente de todos eles.
Este que passou não deverá deixar saudades. De um lado, tivemos de acompanhar o drama do
governador Mário Covas. Mesmo
aqueles que não o admiram politicamente, como é o meu caso, tivemos de permanecer atentos e
tensos, pedindo aos nossos deuses
preferenciais que dessem ao homem valente a força e a recompensa de que ficou merecedor pelo grande exemplo de dignidade
humana que tem sabido dar em
momentos supremos.
Por mais que a chamada folia
tomasse conta dos óbvios foliões
(por que serão sempre os mesmos?), havia um background dramático além da doença de Covas.
O que virá por aí, com a oposição,
tão encalistrada até aqui, recebendo o reforço inesperado de um
tanque que sempre estava atuando do outro lado? A esse respeito,
lembrei em crônica de ontem, na
página A 2, que Churchill foi criticado asperamente por se aliar a
Stálin contra Hitler. Disse ele na
ocasião: "Se o demônio estiver
contra Hitler, eu me aliarei ao demônio".
Evidente que ACM não chega a
ser um tirano sanguinário como
Stálin nem FHC chega aos pés de
Hitler em matéria de malignidade. A comparação sempre claudica -diziam os romanos. Mas esclarece o que a gente pretende dizer.
Deixando de lado o pano de
fundo deste Carnaval que passou,
vamos à objetividade de um folião desnaturado que não saiu de
casa, ficou pela Lagoa mesmo,
volta e meia acessava a Internet e
ciscava com o controle remoto da
TV.
Primeiro pasmo: aquele homem
voando em cima do sambódromo. Vá ser destaque assim no inferno! Nem a Nasa daria colher de
chá àquele ET que não tinha
samba no pé, veio de fora, com
roupa de fora e, além de nada ter
com o Carnaval, nada tem a ver
com nossas tradições, aspirações,
fobias, deslumbramentos. Não
pertence nem à lenda nem à história de nossa gente.
Admiro Joãosinho Trinta há
anos, desde que o conheci como
bailarino do corpo de baile do
Teatro Municipal do Rio. Que,
aliás, foi um antro de bons carnavalescos, como Mario Conde, Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues, Newton de Sá, Geraldinho
Cavalcânti e tantos outros. Joãosinho era pequenino, não podia
fazer carreira no balé clássico, a
não ser em papéis de caráter. Deu
a volta por cima e revelou-se um
gênio das montagens, o mestre
dos efeitos especiais.
Mas exagerou desta vez. Pisou
feio na bola. Aberto o precedente,
nos desfiles que virão por aí, e em
matéria de efeitos especiais teremos naufrágios do Titanic, ("se o
Titanic não virar, olê, olê, olá, eu
chego lá"). Como tudo será possível, ainda veremos o emocionante
enredo "Batman e Robin na Corte do Rei Artur", sem esquecer a
gentil mistura do terror com a
inocência: "Branca de Neve contra o Exorcista Canibal".
Pessoalmente, é claro que prefiro coisas mais amenas e menos
espetaculares. Daí que, em matéria de desfiles, só vi as fotos publicadas nas folhas dos dias seguintes. Passei grande parte da minha
vida profissional editando números de Carnaval em revistas que
estouravam nas bancas nos dias
seguintes. O editor Alfredo Machado, da Record, comprava 200
exemplares para mandar a seus
amigos no exterior. Ele dizia: "O
melhor Carnaval do mundo não é
no Rio nem na Bahia. É na "Manchete" e "Fatos&Fotos" ".
Nos jornais de quarta-feira, vi
uma foto que me emocionou.
Quatro amigos que admiro, admiro e louvo sempre que posso,
com caras patibulares no camarote da Brahma, vestidos a caráter, com aquela camisa complicada da cerveja, óculos para ver a
realidade em três dimensões (coisa que eu faço sem óculos) e com
as credenciais ostensivamente
penduradas nos peitos ilustres.
Além de ilustres, são escritores
de sucesso garantido, estão entre
os melhores dos melhores. Olhando a foto deles, fiquei consolado
pelo fato de, em evento menos
carnavalesco, ter vestido o fardão
da Academia que a tantos horroriza. Fiquei parecido com um gafanhoto, um louva-a-deus comprido e na vertical.
Sei de muitos escribas, com milhões de qualidades superiores a
meus escassos e discutíveis méritos, que preferem morrer embaixo
da ponte a ter de pagar o mico de
vestir o fardão da Academia, na
qual não entram porque não querem.
Além de me emocionar, a foto
me consolou. Não tenho nada
contra as cervejas, prefiro a Antártica, mas não desdenho a
Brahma, embora as duas tenham
se misturado acionariamente. Tirante uma detestável cerveja italiana, chamada Nastro Azurro,
topo qualquer uma, desde que
não seja estupidamente gelada.
Entre o fardão e a camisa-reclame da Brahma, tudo é folia, alegria, alegria, que os tempos são
chegados e o doutor mandou todo
mundo sambar.
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