|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
TERROR
"Frankenstein", "Drácula" e "O Médico e o Monstro" são reunidos em obra
Três clássicos recuperam o ingênuo choque com o mal
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Antes de tornarem-se personagens do imaginário popular, Drácula, Frankenstein e o médico/monstro eram personagens
de livros, para os quais a Ediouro
preparou uma cuidadosa edição
conjunta. As obras -"Frankenstein", "Drácula" e "O Médico e o
Monstro"- têm, entre si, tantas
semelhanças quanto diferenças.
Não é má idéia editá-las juntas:
os leitores de primeira viagem
que já esgotaram os Harry Potter
existentes e já venceram o catatau
de Tolkien, podem adotar essa
tríade monstruosa como próximo
empreendimento.
Às semelhanças, portanto. Como os Harry Potter e "O Senhor
dos Anéis", são romances de entretenimento (o escritor Stephen
King na "Introdução" usa a palavra popular, mas tal adjetivo em
português tem uma carga tão pesada que é melhor não usá-la nesse contexto) e filiam-se à tradição
anglo-saxã de literatura de horror. São todos velhíssimos, na
perspectiva contemporânea
-"Drácula" foi publicado em
1897; "Frankenstein" é de 1816 e,
no meio, em 1886, está "O Médico
e o Monstro"-, mas também
têm em comum a longevidade de
suas criaturas, que, uma vez lançadas no mundo, fizeram e ainda
fazem uma longa e variadíssima
carreira, servindo de inspiração a
filmes, desenhos animados etc.
Quer dizer, à maneira do que
acontece na história de Frankenstein, em que a criatura acaba mais
poderosa do que o criador, os ícones em que se transformaram os
personagens imaginados por
Mary Shelley, Bram Stoker e Robert Louis Stevenson (a coincidência das iniciais é fortuita, mas
soa sinistra no caso) são muito
maiores e, de certa forma, independentes daqueles seres que
emergem da leitura.
O Drácula de Stoker é mais aristocrático, misterioso e alucinado
do que os vampiros comuns;
Frankenstein, na verdade, era o
cientista arrogante que tenta criar
um ser vivo e pensante a partir de
restos de cadáver e não aquele gigante pálido, desajeitado e às vezes simpático. Talvez a maior, digamos, transformação tenha se
dado com Mr. Hyde, que em Stevenson é um monstro moral, um
ser humano comum que deixa
aflorar seu lado mais degradado.
Por isso e pelas qualidades de
concisão do texto, "O Médico e o
Monstro" é a obra mais interessante entre as três. Enxutíssimo, a
atmosfera de terror é mais sugerida do que explícita e, embora desde o início saiba-se quem é quem,
ainda assim o suspense se instala
desde a primeira frase. Stevenson
conta de forma notável um processo de desintegração mental.
"Drácula", em outra ponta, é
um projeto tão ambicioso de
Bram Stoker que em determinados momentos chega a ser enfadonho. Um pouco prolixo, conta
a história do conde misterioso
com tintas mais carregadas do
que seria necessário. Jornalista,
Stoker utiliza o recurso de costurar a narrativa por meio de excertos de diário, cartas e recortes de
jornal, mas falta um tanto de edição ao texto final. Em contrapartida, Drácula é, entre os três, um
personagem mais rico, mais fascinante, com sua sensualidade perversa e crueldade de aristocrata
decadente.
E "Frankenstein", de Mary Shelley, é mais pretensioso intelectualmente do que os outros dois.
Justifica-se: a autora tinha apenas
19 anos, era casada com o poeta
romântico Percy Byrce Shelley e
privava da companhia de Lord
Byron. O romance, cujo subtítulo
"O Prometeu Acorrentado" é indicativa de sua ambição, nasceu
de um desafio proposto por
Byron de escrever "uma história
de fantasmas", mas também das
conversas filosóficas entre os dois
poetas entreouvidas pela jovem
Mary. Está pontuado por digressões pomposas em que a autora
tenta colocar-se à altura do marido e do vizinho ilustre, mas, por
outro lado, é obra de uma imaginação febril e terrível. Original,
seu monstro é o mais monstruoso
de todos, porque produto da manipulação egoísta da natureza pelo homem.
Como advertência àqueles criados numa dieta de Freddy Krueger, vale lembrar que perto dos
monstros modernos, o terror
clássico pode parecer café-com-leite. Em lugar de contra-indicar,
isso deveria recomendar a leitura
das três obras: é necessário recuperar a capacidade de se chocar
com o mal antes que todos se
transformem em Monstros S/A.
O Médico e o Monstro
Drácula
Frankenstein
Tradução: Adriana Lisboa
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 42,90 (700 págs.)
Texto Anterior: Literatura - Memória: Aos cem anos, Steinbeck ganha reavaliação Próximo Texto: "A caça virtual": Barroso caça a essência da poesia Índice
|