São Paulo, sábado, 02 de março de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

TERROR

"Frankenstein", "Drácula" e "O Médico e o Monstro" são reunidos em obra

Três clássicos recuperam o ingênuo choque com o mal

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Antes de tornarem-se personagens do imaginário popular, Drácula, Frankenstein e o médico/monstro eram personagens de livros, para os quais a Ediouro preparou uma cuidadosa edição conjunta. As obras -"Frankenstein", "Drácula" e "O Médico e o Monstro"- têm, entre si, tantas semelhanças quanto diferenças.
Não é má idéia editá-las juntas: os leitores de primeira viagem que já esgotaram os Harry Potter existentes e já venceram o catatau de Tolkien, podem adotar essa tríade monstruosa como próximo empreendimento.
Às semelhanças, portanto. Como os Harry Potter e "O Senhor dos Anéis", são romances de entretenimento (o escritor Stephen King na "Introdução" usa a palavra popular, mas tal adjetivo em português tem uma carga tão pesada que é melhor não usá-la nesse contexto) e filiam-se à tradição anglo-saxã de literatura de horror. São todos velhíssimos, na perspectiva contemporânea -"Drácula" foi publicado em 1897; "Frankenstein" é de 1816 e, no meio, em 1886, está "O Médico e o Monstro"-, mas também têm em comum a longevidade de suas criaturas, que, uma vez lançadas no mundo, fizeram e ainda fazem uma longa e variadíssima carreira, servindo de inspiração a filmes, desenhos animados etc.
Quer dizer, à maneira do que acontece na história de Frankenstein, em que a criatura acaba mais poderosa do que o criador, os ícones em que se transformaram os personagens imaginados por Mary Shelley, Bram Stoker e Robert Louis Stevenson (a coincidência das iniciais é fortuita, mas soa sinistra no caso) são muito maiores e, de certa forma, independentes daqueles seres que emergem da leitura.
O Drácula de Stoker é mais aristocrático, misterioso e alucinado do que os vampiros comuns; Frankenstein, na verdade, era o cientista arrogante que tenta criar um ser vivo e pensante a partir de restos de cadáver e não aquele gigante pálido, desajeitado e às vezes simpático. Talvez a maior, digamos, transformação tenha se dado com Mr. Hyde, que em Stevenson é um monstro moral, um ser humano comum que deixa aflorar seu lado mais degradado.
Por isso e pelas qualidades de concisão do texto, "O Médico e o Monstro" é a obra mais interessante entre as três. Enxutíssimo, a atmosfera de terror é mais sugerida do que explícita e, embora desde o início saiba-se quem é quem, ainda assim o suspense se instala desde a primeira frase. Stevenson conta de forma notável um processo de desintegração mental.
"Drácula", em outra ponta, é um projeto tão ambicioso de Bram Stoker que em determinados momentos chega a ser enfadonho. Um pouco prolixo, conta a história do conde misterioso com tintas mais carregadas do que seria necessário. Jornalista, Stoker utiliza o recurso de costurar a narrativa por meio de excertos de diário, cartas e recortes de jornal, mas falta um tanto de edição ao texto final. Em contrapartida, Drácula é, entre os três, um personagem mais rico, mais fascinante, com sua sensualidade perversa e crueldade de aristocrata decadente.
E "Frankenstein", de Mary Shelley, é mais pretensioso intelectualmente do que os outros dois. Justifica-se: a autora tinha apenas 19 anos, era casada com o poeta romântico Percy Byrce Shelley e privava da companhia de Lord Byron. O romance, cujo subtítulo "O Prometeu Acorrentado" é indicativa de sua ambição, nasceu de um desafio proposto por Byron de escrever "uma história de fantasmas", mas também das conversas filosóficas entre os dois poetas entreouvidas pela jovem Mary. Está pontuado por digressões pomposas em que a autora tenta colocar-se à altura do marido e do vizinho ilustre, mas, por outro lado, é obra de uma imaginação febril e terrível. Original, seu monstro é o mais monstruoso de todos, porque produto da manipulação egoísta da natureza pelo homem.
Como advertência àqueles criados numa dieta de Freddy Krueger, vale lembrar que perto dos monstros modernos, o terror clássico pode parecer café-com-leite. Em lugar de contra-indicar, isso deveria recomendar a leitura das três obras: é necessário recuperar a capacidade de se chocar com o mal antes que todos se transformem em Monstros S/A.


O Médico e o Monstro
Drácula
Frankenstein
Tradução: Adriana Lisboa
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 42,90 (700 págs.)




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