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MÚSICA
Gravada há três anos, parceria entre compositor morto em 2003 e percussionista é lançada com aval de herdeira
"Epopéia" de Itamar e Naná ganha desfecho
DA REPORTAGEM LOCAL
Reconstitui-se o fio da história.
Três anos após sua gravação, ganha vida real o CD "Isso Vai Dar
Repercussão", encontro musical
entre o cantor e compositor paulista Itamar Assumpção (1949-2003) e o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, 59.
O projeto ficara incompleto e
fora cancelado após uma série de
desavenças envolvendo os dois
artistas e os idealizadores do projeto, os músicos Zeca Baleiro, 37, e
Paulo Lepetit, 45. Itamar teria desistido do álbum duplo para
transformar o material gravado
num CD assinado só por ele. Os
outros envolvidos não concordaram, e o projeto foi cancelado.
Volta agora, com o aval de sua
família. Sua filha Anelis Assumpção, 23, hoje integrante da banda
Dona Zica, é quem justifica:
"Naquele momento nós não tínhamos como intervir. Ele estava
num momento complicado, fazendo quimioterapia, o câncer
avançando. Tinha sede por trabalhar, mas um bloqueio do corpo.
Houve problemas de comunicação, egotrip de todas as partes".
Baleiro, que Itamar quis eliminar dos créditos do CD, declara
seu apreço pelo resultado, mas
tenta relativizar sua participação.
"Minha idéia era reuni-los num
show, o mérito de transformá-la
em disco é do Lepetit. Não trabalhei efetivamente no disco, só
acompanhei parte das gravações e
da mixagem e palpitei no final sobre a ordem das músicas, a pedido do Lepetit." O CD o credita na
"concepção do projeto", com
Paulo Lepetit.
Ele se remete a críticas que fez
na época da confusão, de que Itamar sabotasse suas próprias
chances de sucesso: "Minhas críticas foram à atitude dele no momento, quando, sem razão, rasgou o verbo contra mim e Lepetit.
Hoje entendo que ele estava muito atormentado, mas confesso
que fiquei chateado na ocasião".
Anelis parece concordar, mas
tenta entender as motivações do
pai: "Lembro como aquilo tudo
lhe fez mal. Ele acreditava numa
verdade, achava que estava sozinho e que todo mundo queria se
aproveitar dele. Mas era desespero, não era pessoal".
Agora, ela se integra aos shows
de lançamento de "Isso Vai Dar
Repercussão", que acontecem em
São Paulo amanhã e domingo.
Naná Vasconcelos, que hoje
aparece como primeiro nome do
CD, prefere a discrição ao rememorar a odisséia de "Isso Vai Dar
Repercussão". "Não fiquei magoado, de jeito nenhum. É um trabalho maravilhoso, fico com pena
que ele não esteja aqui para a gente sair tocando por aí."
Os dois shows terão a cantora e
compositora Zélia Duncan, 39,
nas vozes que originalmente eram
de Itamar. Ela fala de seu já antigo
engajamento à obra de um dos
mais "malditos" compositores do
underground paulista:
"É engraçado ser convocada assim. Quando era muito mais nova, um dos meus sonhos era fazer
"backing vocals" para o Itamar.
Agora é um pouquinho mais, mas
é como se fosse aquilo".
Zélia cumpre assim seu papel de
ponte entre a indústria em que
ainda vive e o underground de
que Itamar nunca quis sair. "Faço
esse show pelo Itamar, pela famílias dele, pelo esforço de Lepetit.
Faço minha parte, mas é um trabalho, não estou vindo de graça."
Sem querer, lembra um diálogo
com Itamar -talvez um conselho que ele tenha lhe dado. "Ele
me disse, falando sobre minha
posição no mercado: "Você está
bem aí, faz isso bem. Eu, não, vou
ficar por aqui"." Quem rememora
Itamar, por fim, é Paulo Lepetit,
seu parceiro e amigo por 20 anos e
"maestro" de toda a epopéia de
"Isso Vai Dar Repercussão":
"Tinha essa preocupação de
nunca fazer concessões, o que é
impossível. Chegava à tentativa
de controlar o modo como as pessoas compreenderiam seu trabalho, o que não é possível".
Quem volta, agora, é a filha
Anelis: "Seu trabalho já estava à
margem, não é nisso que eu acredito. Se sou de outra geração e,
friamente falando, tenho certo
poder, tenho que fazer o melhor
possível. É preciso ter acesso à
obra dele".
Volta Lepetit: "As relações com
Itamar sempre foram difíceis. Nas
gravações, após não sei quantas
cirurgias, em certo momento ele
me disse que achou que a proximidade da morte fosse mudá-lo
um pouco. "Mas não, estou igualzinho", disse". O gênio difícil era
um pedaço do gênio artístico,
conclui. Lepetit, que já havia viabilizado as gravações de "Isso Vai
Dar Repercussão", finalizou a
produção do disco e o lança por
seu selo independente, Elo Music.
O CD inaugura o projeto "CD
7", de álbuns com apenas sete
músicas e preços mais acessíveis
-embora Itamar houvesse apresentado cerca de 30 músicas para
gravar com Naná, apenas oito foram registradas em dupla.
A oitava, "Ciúme Doentio", estará nos shows de amanhã e domingo. Diz a letra, uma das últimas de Itamar: "Bastou você me
dizer/ "amor, eu vou até o mercado ali na esquina'/ pra eu começar
a sofrer/ como se o mercado fosse
lá na China/ ciúme doentio".
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
ISSO VAI DAR REPERCUSSÃO - show
com Naná Vasconcelos, Zélia Duncan,
Paulo Lepetit, Anelis Assumpção e
Bocato. Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93,
SP, tel. 0/xx/11/3871-7700). Quando:
amanhã, às 21h, e domingo, às 18h.
Quanto: R$ 30.
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