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ARTES PLÁSTICAS
Artista que abriu CCBB-SP com a performance "Tereza" e a instalação "Lúcido Nigredo" dará palestra
Tunga apresenta prazer e violência social
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
Mesmo levando em conta
o prestígio internacional e a
importância de Tunga para a arte
contemporânea brasileira, não
deixa de ser curiosa a sua forma
de intervenção durante a inauguração do espaço do Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.
Pensando na auto-imagem arquitetônica do CCBB, como um
passado idealizado do centro velho, não deixa de ser curioso ver
como certa ambiguidade da forma, tratada ostensivamente na
obra de Tunga, é potencializada
em sua intervenção, que traz ao
prédio reformado todas as trevas
que ela proclama expurgar. O
modo como o artista faz a passagem da atuação escultórica para a
performance é reveladora.
Tunga aproveita-se do despertar de uma certa interioridade
misteriosa dos materiais, constante em sua obra. Vidro, ferro,
imã e outros saem do repouso mineral instituindo um campo energético que desmente uma inércia
dócil da natureza. As propriedades estranhas são reveladas como
características que, até então, estavam camufladas na matéria.
"Lúcido Nigredo", instalação
exposta no segundo andar do
CCBB, trata a transparência e a estabilidade das formas numa temporalidade em que as coisas se
mostram em um estado intermediário. Pontuada pelos filmes projetados nas duas extremidades da
sala, o artista lida com o hiato entre um ponto de partida e um de
chegada. Em um lado, desce um
elevador, e, em outro, é filmada a
subida numa escada.
A profusão de cobertores acidenta todo o chão da sala, tornando-o escorregadio. Chapas e recipientes de vidro sobrepostos confundem os contornos e põem a
transparência sob suspeita.
No momento em que o espectador adentra esse espaço, o sistema
de reações parece se consumar.
Tanto as lâminas de vidro como
as esferas e o tecido reagem à sua
presença, e o que poderia ser entendido como potencial de uma
sociabilidade interessante revela-se como impossibilidade.
Podemos dizer que a resignificação da matéria, que em Beuys
-que parece ser a maior referência de Tunga nesta exposição-
pretendia a reconciliação harmônica entre homem e natureza, no
escultor pernambucano revela a
face indomável da matéria.
Na performance "Tereza", apresentada na inauguração da exposição, tudo o que a fachada do
prédio recém-reformado pretende refratar aparece presente no
seu interior. Toda a solidez confiante exterior aparece como uma
interioridade precária, efêmera e
insegura. Sobre um solo irregular,
escorregadio, em que tudo aparece ou como resíduo ou em estágio
de decomposição.
Apesar da alta literalidade e de
um trato que absorve com o espectador, essa mistura de sons,
cheiros e consistências desconexas parece por fim análoga à revolta da natureza de "Lúcido Nigredo". Talvez com menor sutileza do que lá, o artista consegue
atribuir um sentido cultural forte
à sua intervenção. Pois o que parece se gestar no interior do prédio é a dimensão infernal da exclusão social. O "revival" de uma
ordem idealizada da cidade aparece irmanada à desagregação.
Essa interioridade perversa não
pretende retirar a importância de
instituições como o CCBB, mas
certamente joga um balde de água
fria em algumas promessas que
permeiam esses projetos, pedindo que deixemos as esperanças do
lado de fora.
Tunga dará uma palestra hoje
no CCBB em São Paulo.
Avaliação:
RESGATE - exposição de objetos da
instalação. Quando: de ter. a dom., das
12h às 20h, até 24/6. Palestra: com o
artista plástico Tunga. Onde: Centro
Cultural Banco do Brasil (r. Álvares
Penteado, 112, centro, tel. 0/xx/11/
3113-3600). Quando: hoje, às 18h30.
Quanto: entrada franca
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