São Paulo, quarta-feira, 02 de maio de 2001

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ARTES PLÁSTICAS

Artista que abriu CCBB-SP com a performance "Tereza" e a instalação "Lúcido Nigredo" dará palestra

Tunga apresenta prazer e violência social

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Mesmo levando em conta o prestígio internacional e a importância de Tunga para a arte contemporânea brasileira, não deixa de ser curiosa a sua forma de intervenção durante a inauguração do espaço do Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.
Pensando na auto-imagem arquitetônica do CCBB, como um passado idealizado do centro velho, não deixa de ser curioso ver como certa ambiguidade da forma, tratada ostensivamente na obra de Tunga, é potencializada em sua intervenção, que traz ao prédio reformado todas as trevas que ela proclama expurgar. O modo como o artista faz a passagem da atuação escultórica para a performance é reveladora.
Tunga aproveita-se do despertar de uma certa interioridade misteriosa dos materiais, constante em sua obra. Vidro, ferro, imã e outros saem do repouso mineral instituindo um campo energético que desmente uma inércia dócil da natureza. As propriedades estranhas são reveladas como características que, até então, estavam camufladas na matéria.
"Lúcido Nigredo", instalação exposta no segundo andar do CCBB, trata a transparência e a estabilidade das formas numa temporalidade em que as coisas se mostram em um estado intermediário. Pontuada pelos filmes projetados nas duas extremidades da sala, o artista lida com o hiato entre um ponto de partida e um de chegada. Em um lado, desce um elevador, e, em outro, é filmada a subida numa escada.
A profusão de cobertores acidenta todo o chão da sala, tornando-o escorregadio. Chapas e recipientes de vidro sobrepostos confundem os contornos e põem a transparência sob suspeita.
No momento em que o espectador adentra esse espaço, o sistema de reações parece se consumar. Tanto as lâminas de vidro como as esferas e o tecido reagem à sua presença, e o que poderia ser entendido como potencial de uma sociabilidade interessante revela-se como impossibilidade.
Podemos dizer que a resignificação da matéria, que em Beuys -que parece ser a maior referência de Tunga nesta exposição- pretendia a reconciliação harmônica entre homem e natureza, no escultor pernambucano revela a face indomável da matéria.
Na performance "Tereza", apresentada na inauguração da exposição, tudo o que a fachada do prédio recém-reformado pretende refratar aparece presente no seu interior. Toda a solidez confiante exterior aparece como uma interioridade precária, efêmera e insegura. Sobre um solo irregular, escorregadio, em que tudo aparece ou como resíduo ou em estágio de decomposição.
Apesar da alta literalidade e de um trato que absorve com o espectador, essa mistura de sons, cheiros e consistências desconexas parece por fim análoga à revolta da natureza de "Lúcido Nigredo". Talvez com menor sutileza do que lá, o artista consegue atribuir um sentido cultural forte à sua intervenção. Pois o que parece se gestar no interior do prédio é a dimensão infernal da exclusão social. O "revival" de uma ordem idealizada da cidade aparece irmanada à desagregação.
Essa interioridade perversa não pretende retirar a importância de instituições como o CCBB, mas certamente joga um balde de água fria em algumas promessas que permeiam esses projetos, pedindo que deixemos as esperanças do lado de fora.
Tunga dará uma palestra hoje no CCBB em São Paulo.


Avaliação:     


RESGATE - exposição de objetos da instalação. Quando: de ter. a dom., das 12h às 20h, até 24/6. Palestra: com o artista plástico Tunga. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, centro, tel. 0/xx/11/ 3113-3600). Quando: hoje, às 18h30. Quanto: entrada franca




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