São Paulo, sábado, 02 de maio de 2009

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Crítica / "Olha como Eu te Amo"

Leante prende o leitor, mas seu romance não é um grande livro

Obra do escritor espanhol ganhou prêmio, mas está aquém da melhor literatura

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Por que um romance escrito corretamente, que prende a atenção, fala sobre amor e sobre os hábitos e a cultura de outro povo, com respeito e minúcia, mesmo assim não deveria ganhar um prêmio importante?
Pois "Olha como Eu te Amo", do escritor espanhol Luis Leante, ganhou o prêmio Alfaguara de melhor romance de 2007. Mas não deveria. Felizmente, para a literatura, essas características estão realmente longe de sustentar ou justificar um grande livro.
A trama é interessante: uma jovem estudante de medicina de Barcelona se apaixona por um mecânico de automóveis. O medo da reação dos pais e a suspeita de traição a afastam do rapaz, que se torna legionário nas tropas argelinas. Após mais de 20 anos de separação, a atual médica decide partir atrás do antigo amor, após ser abandonada pelo marido e ter perdido sua filha num acidente.
Um argumento como esse, certamente, pode servir de base para uma narrativa extremamente criativa ou extremamente pastosa; o argumento, em si, não diz nada. O que importa mesmo é a construção inventiva que se faz com ele.
Entre clichês
No caso de "Olha como Eu te Amo", Leante parece se satisfazer com as súbitas mudanças temporais, que deslocam a atenção do leitor de um acontecimento para o outro, buscando montar um quebra-cabeças gradual ao longo do romance.
Mas essas passagens não são suficientes para constituir a inventividade necessária. Afora isso, os outros recursos narrativos parecem gratuitos e carregados de clichês: o narrador em terceira pessoa estabelece um distanciamento excessivo dos personagens; a descrição do espaço do Saara soa mais exótica do que autêntica. Uma médica espanhola maravilhada com o pôr-do-sol do deserto, com os hábitos gentis dos saaráuis, com sua inocência submissa.

Marquesas vespertinas
A linguagem, da mesma forma, tampouco acompanha o uso criativo das mudanças temporais. Conta-se que Paul Valéry dizia que jamais seria romancista porque não se via capaz de pronunciar as palavras: "A marquesa saiu às cinco da tarde". Pois esse romance está recheado de marquesas vespertinas: "A luz mortiça do inverno ao azul intenso do céu do Saara"; "ela comprovou aliviada que uma lágrima deslizava por seu rosto e escorria entre as comissuras dos lábios"; "o olhar mais belo de todos os olhares possíveis"; "Santiago San Román continuava dando voltas na cabecinha e no coração de Montse".
E, ainda assim, a trama efetivamente prende a atenção. Queremos saber o que acontece com a médica picada por um escorpião, com seus perseguidores cruéis, com a guerra entre o Marrocos e a Espanha, com os legionários fiéis e os insurretos. Mas prender a atenção não basta; é preciso prendê-la, cutucá-la e ultrapassar seus limites, atingindo a perturbação, a surpresa, o impensado. "Olha como Eu te Amo" só fica nas marquesas.


OLHA COMO EU TE AMO

Autor: Luis Leante
Tradução: Eliana Aguiar
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 49,90 (264 págs.)
Avaliação: regular




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