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Crítica / "A Formação da Culinária Brasileira"
Sociólogo levanta temas importantes e sugere reclassificar culinária do país
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Poderia ser a coisa mais
banal do mundo, mas a
culinária brasileira -a
própria noção de uma culinária
brasileira, num país com tantas
diferenças e história bem
recente- é um assunto que,
olhado de perto e tomado a
sério, pode e deve dar muito
pano para manga.
Um dos pensadores -sociólogo, escritor, estudioso do assunto- que mais se tem dedicado a isso é Carlos Alberto Dória, que lança agora "A Formação da Culinária Brasileira"
(entre seus livros recentes, estão "A Culinária Materialista"
e, junto com Alex Atala, "Com
Unhas, Dentes & Cuca".)
O novo livro não é uma obra
extensiva nem com o fôlego
que o título poderia induzir a
pensar. Não chega a 90 páginas,
mas permeia muitos dos assuntos que cada vez mais requerem
a atenção de quem estuda ou
trabalha com gastronomia -e
indiretamente, todo o público
que a usufrui.
Dória mostra que o Brasil é
terra de tesouros culinários,
mas que, em suas vicissitudes
históricas (como o rumo de sua
colonização, por exemplo), não
chegou a formar uma sólida
identidade culinária nacional.
E, por meio de mimetismos
aqui e falsos mitos ali, ainda por
cima deixou de explorar muito
de seus potenciais.
Retomando temas já abordados em outros escritos, o autor
relembra que a originalidade
do gosto brasileiro pode estar
muito mais pelo caráter miscigenado do seu povo (e de sua
produção cultural) do que pela
identificação e superposição
estanque de seus elementos
constitutivos (índios, portugueses, africanos).
Ou que a tipicidade de nossas
diferentes cozinhas pode estar
totalmente fora da divisão regional do Brasil instituída pelas
autoridades, com um sentido
mais administrativo do que de
afirmação e consolidação de
realidades homogêneas.
Tipicidades locais
A esse propósito, aliás, "A
Formação da Culinária Brasileira" chega a alinhavar uma
sugestão de classificação das
cozinhas com base na tipicidade dos produtos locais (e, por
isso, não necessariamente em
regiões geograficamente contínuas). Por exemplo: no lugar da
culinária do Norte, a culinária
amazônica (caracterizada pelo
uso da mandioca e produtos da
floresta, como peixes e frutas);
no lugar de cozinha do Nordeste, a culinária da costa (do Ceará ao Espírito Santo, com uso
de peixes, frutos do mar e leite
de coco); em vez de cozinha mineira, a culinária caipira (abarcando São Paulo, Minas Gerais
e franjas do Centro-Oeste, calcada em milho, porco, frango e
técnicas portuguesas), e assim
por diante.
Para completar, Dória sugere
que doravante haja uma especial atenção em se debruçar sobre os ingredientes brasileiros,
mais do que nas receitas históricas ou nos contornos étnicos
de suas origens. Uma forma interessante, mesmo que não excludente, de recuperar tradições (há produtos caindo em
desuso, esquecidos) e ao mesmo tempo de usar um belo arsenal para a criação de novos
pratos com uma originalidade
intrinsecamente brasileira.
A FORMAÇÃO DA CULINÁRIA
BRASILEIRA
Autor: Carlos Alberto Dória
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 12,90 (88 págs.)
Avaliação: bom
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