São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Sexo dos anjos

Elas já fizeram filme pornô, contos eróticos e ensaio da "Playboy". Hoje, evangélicas, preparam programa de TV para dar o testemunho de uma vida (quase) sem sexo -e com muito chocolate

Cecilia Acioli/Folha Imagem
Giselle Policarpo, Luciana Bessa, Roberta Foster, Georgiana Guinle, a pastora Priscila e Regininha em reunião de pauta, no Rio

"Quando cheguei aqui, tinha medo de comer uma folha de alface, engasgava com um grão de arroz", relata Regininha Poltergeist, ex-dançarina, ex-atriz pornô e ex-coelhinha da "Playboy", à repórter Adriana Kuchler. "Tinha doença em todo o corpo. Por dentro e por fora. Cheguei na igreja mal. E Deus foi me ressuscitando. Tipo assim, nasci de novo."

 


- Vamos bater palmas pra Grazi!, diz Roberta Foster.
- Êeeeeee!
- Pra Grazi?, estranha Regininha. "Pensei que era pra mim."

 


Grazi, funcionária da igreja evangélica Bola de Neve Church, do Rio, é quem traz os canapés e bombons para a reunião de pauta do programa "Boladas", que atrizes e artistas da comunidade religiosa [de fieis jovens e geralmente ligados ao esporte] começam a produzir. No elenco estão Poltergeist e a policial Marinara Costa, que trabalharam com Fausto Fawcett, Roberta Foster, a Eva do "Zorra Total", Georgiana Guinle, filha do playboy Jorginho Guinle, Luciana Bessa, ex-"Malhação", e Giselle Policarpo, atriz da Record. Várias delas já posaram nuas para revistas masculinas e admitem que tiveram vidas "desregradas".

 


Mas hoje, sob o comando da pastora Priscila Mastrorosa, o grupo planeja um programa no estilo "Saia Justa", do GNT, para "levar uma visão de Deus para assuntos polêmicos". Nos três primeiros pilotos, os temas foram sexo, drogas e Haiti (ou "onde está Deus quando a terra treme?"). Pretendem veicular o produto na Record, na Rede TV! ou na CNT - e buscam patrocínio. As reuniões de trabalho são na sede da igreja (que tem lemas como "In Jesus We Trust" e "Ser Cristão É Muito Louco") no Rio, de frente para o mar da Barra da Tijuca.

 


A primeira missão das moças é assistir aos testes do programa em um computador. A pastora Priscila mostra uma enquete feita nas ruas: "É legal fazer sexo no primeiro encontro?" Várias mulheres dizem que sim. Regininha, 39, se assusta. Mas uma entrevistada surge na tela dizendo não achar certo o sexo casual. "Aleluia!", respira a convertida, aliviada.

 


Um dos principais preceitos da Bola de Neve é "sexo só no casamento". Regra seguida hoje por todas as Boladas. "Se antes elas não esperavam nada, hoje elas ficam quietas na igreja", diz a pastora. Solteira, Regininha, ex-louraça belzebu da música "Kátia Flavia" e que já fez filmes pornô da série Brasileirinhas, diz que está há mais de um ano "em santidade", como classificam o período sem casamento (e sem sexo). "Criada pra casar virgem", diz que, depois de pegar atalhos na vida, retornou, na igreja, para "a essência pura do útero da minha mãe": "A Poltergeist voltou pro inferno. Agora, sou Regininha Pentecostes". Enquanto não encontra marido, "ora e espera, espera e ora". E quando o sexo faz falta? "Vai malhar, toma banho frio. Chora, ajoelha, ora." Após três casamentos, Roberta Foster, 39, diz que come "uma caixa de bombom inteira".
"É o tobleromem", segundo Georgiana Guinle, 40. Ela, que escrevia contos eróticos, se dizia uma "Bussunda em versão loira e curvilínea" e "vivia nesse universo sexual por causa do meu pai", diz que Guinle "ficou deprê quando eu disse que ia ficar em abstinência".

 


Casada com um membro da igreja, Luciana Bessa, 31, diz que sexo para ela era "um momento de me satisfazer e beijinho, beijinho, tchau, tchau". Agora, explica às amigas a importância de esperar o casamento. "Você pode até se perguntar: "E se eu não gostar [do sexo com o marido]?" Mas, quando é de Deus, cara, ele manda o seu número. Na lua de mel, você diz: "Caraca! Parecia que eu era virgem."

 


Quando indagadas sobre quantos namorados já tiveram, as boladas reagem. "Isso é pergunta que se faça?", diz Marinara, 42, por telefone, há cinco anos em santidade. "Já usei o sexo como arma para segurar homem. Antes, eu queria um bofão. Agora, estou tranquila até conhecer o meu varão." A pastora classifica Marinara como a "primeira ovelha difícil": "16 anos de Carnaval, 20 na macumba". Chegou ao Bola pelas mãos de Monique Evans [que deixou a igreja].

 


A policial conta que sofreu violência doméstica, teve depressão, passou nove dias sem tomar banho e três meses sem sair de casa. "Fui uma das mulheres mais chifradas do Rio." Na igreja, recuperou até a amizade com Regininha. As duas brigaram por causa do apresentador Fernando Vanucci, que se casou com a primeira e depois namorou a segunda. Conta Regininha: "Um belo dia, no show da Madonna [em 1993], ela me viu com ele e partiu pra cima. Me deu uns mata-leão, uns socos, um chute... Claro que eu fiquei magoada, né? Porque a ideia..." "A ideia é não ser enforcada", ajuda a pastora. "Eu fiquei cega. Apaguei ela", conta Marinara. "Estava deslumbrada com o mundo artístico. Depois, fui chorando pedir perdão." Sua capa de "Playboy", em 1992, vendeu "mais que a da Juma" [personagem de Cristiana Oliveira na novela "Pantanal"], lhe contaram na época. Foram seis ensaios entre "Playboy" e "Sexy". "Imagina quantos homens traíram suas mulheres vendo essas revistas?"
Regininha também fez vários: "Trip, Sexy, Sexy Premium, Sexy com CD, Playboy". Hoje, todas se arrependem e nenhuma repetiria a dose. "A gente não deleta o passado, mas quero mostrar, com o meu testemunho, que uma atriz não precisa ficar nua pra comprar um apartamento", diz Roberta.

 


Todas as convertidas usam calça justa, salto alto e cabelão solto e tingido. Giselle, 28, é a única que não tem o cabelo tão loiro. "Vai ter que amarelar!", gritam juntas. "Vamos mostrar que crente não usa mais coque, vestidão, que se depila", diz Roberta. E bota silicone, um denominador comum entre várias boladas. "A Bíblia diz que a mulher tem que se embelezar", argumenta Giselle. "O amadurecimento tem que ser espiritual. Mas, aí, se você fica lá, embagulhada, [só dizendo] Jesus, Jesus, o cara vaza", diz Roberta.

 


Além da igreja, de várias terem feito silicone e algumas terem posado peladas, o que une esse grupo? Para Luciana, a dificuldade de lidar com a fama [ou com a falta dela] pesou para todas. "Esse mundo mexe muito com o ego. Se você não passava num teste, ficava desesperada. Hoje, se não passa, é o senhor fazendo a sua vontade."

 


Regininha conta que começou a enxergar coisas antes invisíveis a seus olhos. "Esses dias, eu tava olhando uma árvore e reparei: "Como essas folhas estão verdes! Olha essa flor!'" Já Georgiana diz ter visto anjos três ou quatro vezes. "Eles são altos e brilham feito nácar."

 


É tarde e as meninas decidem as pautas do próximo programa: aborto, música e submissão da mulher. Algumas partem e outras ficam para um grupo de estudos sobre "Obras da Carne". Na púlpito -que tem uma prancha de surfe e cenário pintado com areia, sol e mar-, uma líder da igreja critica as leis "a favor de liberar o homossexualismo", diz que não se pode fazer sexo oral ou anal porque são as "duas extremidades do canal digestivo" e ensina que a masturbação "não agrada a Deus": "Quando você se masturba, não pensa em cachoeira. Pensa em pornografia".

 


Na hora de partir, Regininha chama o filho, Lucas, 5, que a acompanhou à igreja. De repente, ele começa a rebolar. Com quem aprendeu isso? O menino aponta para a mãe. "Eu?", se espanta Regininha. "Ta me botando no fogo? Faz anos que eu não rebolo! Crente não dança assim..."


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