São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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Cineclube disputará com missa e TV

Cultura em Canudos reflete pobreza da cidade marcada por passado mítico, economia agrícola e omissão política

Principal acontecimento cultural é a festa religiosa Trezena de Santo Antonio; segundo secretário, festival de cinema vem em seguida

Fotos Letícia Moreira/Folha Imagem
Representação do fundador do povoado, a estátua de Antônio Conselheiro parece observar domirante o açude de Cocorobó (à esq.) e a nova Canudos (à dir.)

DA ENVIADA A CANUDOS (BA)

O cineclube de Canudos terá cadeiras como as dos colégios, com braços para apoiar os cadernos, e uma tela de três metros por dois metros. A presidente, Jociluce Santos, dará preferência a filmes brasileiros e diz que as sessões acontecerão aos domingos, dia em que a cidade, desde que a feira mudou para as sextas, não tem nada a fazer a não ser ir à missa ou aos cultos.
O espaço terá como concorrente, além da fé, a TV. Na cidade em que não há faróis ou bancas de jornal e são escassos os empregos, o que está em todo canto, a falar alto, é a Rede Bahia, retransmissora da Globo.
"No Brasil, saiu de São Paulo e do Rio ninguém sabe de cultura, não", diz o agricultor Domingos Macedo, botas nos pés, facão na cintura. Ele sente falta de cinema? "Nenhuma. Não perco muito tempo pra assistir a filme, não. Se a gente quer ver alguma coisa, pega o DVD. O problema nosso aqui é falta de tanta coisa que, se eu começar a falar, você cansa."
Mas Macedo começou a cortar os cocos de água farta, vendidos a R$ 0,15, e falou longamente. São assim quase todos os canudenses. Matutos no primeiro contato, não demoram a revelar-se prosadores sem pressa. Parece que a própria história os fez assim. Começam falando de Antônio Conselheiro e partem para a charqueada ou a favela, planta que, adoram dizer, deu origem ao nome tristemente batido nas periferias.
Falam das origens da cidade e também de si. "Nasci afastado daqui 200 km, em Antas", explica José Raimundo Teixeira, o Mundinho, secretário de Cultura. Seu pai nasceu em Canudos, mas, com medo dos saques de Lampião, fugiu. Mundinho diz que entrou para a política porque tinha muitos amigos.
Fã de Antonio Carlos Magalhães, hoje é aliado do PT. A que partido pertence? "Ao PTB. Não, quer dizer, ao PRB." PRB? "É... Partido de... Reconstrução do Brasil. É mais ou menos isso que significa."

Cidade cool
Definida, por muitos habitantes, como um jogo de pingue-pongue entre dois prefeitos, a política de Canudos é, um pouco, a do deixar as coisas como estão. "Isto aqui está praticamente abandonado", diz Regivaldo Rodrigues, dono de uma das cinco LAN houses que mudaram os hábitos da cidade.
Baseada na agricultura do perímetro criado com o açude de Cocorobó, a economia de Canudos é pobre. Os empregos limitam-se à prefeitura e a um minguado comércio. "Se eu vender R$ 0,50 em bala tá bom", diz Antonio Silva, que aproveitou a exibição de "Besouro" na praça para aumentar os R$ 134 do Bolsa Família.
É de esperar que a cultura em Canudos reflita esse "não ter" quase permanente. O principal acontecimento cultural da cidade é a Trezena de Santo Antonio, festa religiosa que dura 13 dias. Até o ano passado, o segundo evento mais, digamos, badalado, era a festa do final da guerra. Mas Mundinho diz que o segundo lugar, agora, é ocupado pelo CineFest.
Organizado pela produtora Inffinito, que realiza festivais de cinema brasileiro em nove cidades do exterior, o evento começou há três anos. "Tinham certeza de que o cinema, como tudo o que acontece aqui, ia acabar", conta a produtora Flavia Guimarães. "É cool estar em Canudos. Todo mundo quer vir. Mas depois vai embora."
É essa faceta cool de Canudos que facilita a conquista de patrocínios para os projetos culturais, de viés social, que têm a cidade como tema. Nem sempre como beneficiária.
(ANA PAULA SOUSA)


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