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Cineclube disputará com missa e TV
Cultura em Canudos reflete pobreza da cidade marcada por passado mítico, economia agrícola e omissão política
Principal acontecimento cultural é a festa religiosa Trezena de Santo Antonio; segundo secretário, festival de cinema vem em seguida
Fotos Letícia Moreira/Folha Imagem
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Representação do fundador do povoado, a estátua de Antônio Conselheiro parece observar domirante o açude de Cocorobó (à esq.) e a nova Canudos (à dir.)
DA ENVIADA A CANUDOS (BA)
O cineclube de Canudos terá
cadeiras como as dos colégios,
com braços para apoiar os cadernos, e uma tela de três metros por dois metros. A presidente, Jociluce Santos, dará
preferência a filmes brasileiros
e diz que as sessões acontecerão aos domingos, dia em que a
cidade, desde que a feira mudou para as sextas, não tem nada a fazer a não ser ir à missa ou
aos cultos.
O espaço terá como concorrente, além da fé, a TV. Na cidade em que não há faróis ou bancas de jornal e são escassos os
empregos, o que está em todo
canto, a falar alto, é a Rede Bahia, retransmissora da Globo.
"No Brasil, saiu de São Paulo
e do Rio ninguém sabe de cultura, não", diz o agricultor Domingos Macedo, botas nos pés,
facão na cintura. Ele sente falta
de cinema? "Nenhuma. Não
perco muito tempo pra assistir
a filme, não. Se a gente quer ver
alguma coisa, pega o DVD. O
problema nosso aqui é falta de
tanta coisa que, se eu começar a
falar, você cansa."
Mas Macedo começou a cortar os cocos de água farta, vendidos a R$ 0,15, e falou longamente. São assim quase todos
os canudenses. Matutos no primeiro contato, não demoram a
revelar-se prosadores sem
pressa. Parece que a própria
história os fez assim. Começam
falando de Antônio Conselheiro e partem para a charqueada
ou a favela, planta que, adoram
dizer, deu origem ao nome tristemente batido nas periferias.
Falam das origens da cidade
e também de si. "Nasci afastado
daqui 200 km, em Antas", explica José Raimundo Teixeira,
o Mundinho, secretário de Cultura. Seu pai nasceu em Canudos, mas, com medo dos saques
de Lampião, fugiu. Mundinho
diz que entrou para a política
porque tinha muitos amigos.
Fã de Antonio Carlos Magalhães, hoje é aliado do PT. A que
partido pertence? "Ao PTB.
Não, quer dizer, ao PRB." PRB?
"É... Partido de... Reconstrução
do Brasil. É mais ou menos isso
que significa."
Cidade cool
Definida, por muitos habitantes, como um jogo de pingue-pongue entre dois prefeitos, a política de Canudos é, um
pouco, a do deixar as coisas como estão. "Isto aqui está praticamente abandonado", diz Regivaldo Rodrigues, dono de
uma das cinco LAN houses que
mudaram os hábitos da cidade.
Baseada na agricultura do
perímetro criado com o açude
de Cocorobó, a economia de
Canudos é pobre. Os empregos
limitam-se à prefeitura e a um
minguado comércio. "Se eu
vender R$ 0,50 em bala tá
bom", diz Antonio Silva, que
aproveitou a exibição de "Besouro" na praça para aumentar
os R$ 134 do Bolsa Família.
É de esperar que a cultura em
Canudos reflita esse "não ter"
quase permanente. O principal
acontecimento cultural da cidade é a Trezena de Santo Antonio, festa religiosa que dura
13 dias. Até o ano passado, o segundo evento mais, digamos,
badalado, era a festa do final da
guerra. Mas Mundinho diz que
o segundo lugar, agora, é ocupado pelo CineFest.
Organizado pela produtora
Inffinito, que realiza festivais
de cinema brasileiro em nove
cidades do exterior, o evento
começou há três anos. "Tinham
certeza de que o cinema, como
tudo o que acontece aqui, ia
acabar", conta a produtora Flavia Guimarães. "É cool estar em
Canudos. Todo mundo quer
vir. Mas depois vai embora."
É essa faceta cool de Canudos
que facilita a conquista de patrocínios para os projetos culturais, de viés social, que têm a
cidade como tema. Nem sempre como beneficiária.
(ANA PAULA SOUSA)
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