São Paulo, sábado, 02 de junho de 2001

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O britânico Tony Cragg está em cartaz com seis obras na galeria Thomas Cohn, em SP

O escultor

Divulgação
"Clear Glass Stack", do escultor britânico Tony Cragg, em cartaz na Thomas Cohn (SP)



"Escultura é celebração da matéria", diz o artista, que recebeu o Prêmio Turner, da Tate Gallery de Londres, em 1988


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A WUPPERTAL

Para o inglês Tony Cragg, a escultura é a celebração da matéria. É nela que o homem percebe sua humanidade e é por ela que ele se comunica.
Um dos artistas contemporâneos mais celebrados, Cragg está em cartaz em São Paulo na galeria Thomas Cohn. Já é a sua terceira mostra com o galerista. Na primeira, em 89, viajou para ficar uma semana e acabou ficando três meses no Brasil.
Agora, por problemas de saúde, Cragg não pôde viajar e teve de ficar na cidade onde vive, Wuppertal, na Alemanha.
Foi lá que, há 20 dias, Cragg recebeu a Folha para uma entrevista. Em seus imenso ateliê, onde tem a colaboração de 12 assistentes, ele contou sobre sua experiência como escultor. Leia a seguir os principais trechos.

Folha - Suas esculturas, apesar de não serem figurativas, possuem uma forma orgânica que nos dá a sensação de estarem vivas. Como o sr. consegue esse resultado?
Tony Cragg -
Parcialmente isso tem a ver com o que orgânico significa para nós. Se você observa as obras que tenho no estúdio agora, elas possuem uma base bastante geométrica: círculos, formas ovais... Mas em sua aparência elas nos dão um sentimento orgânico.
Acho bem interessante refletir como esses dois mundos estéticos se encontram. Círculos e formas ovais são a base da figura humana e também de seus órgãos.
Creio que expandimos hoje a noção que Rubens [1577-1640" ou Picasso [1881-1973", por exemplo, tinham sobre o humano. Acredito que dividimos o planeta com tudo o que é vivo, o que é uma noção muito mais generosa. E não acho que haja nada mais interessante do que seres humanos e suas relações, mas não creio que seja interessante copiá-los. O que tento fazer é entrar neles, olhar as partes e tentar responder à questão: "Por que somos assim?". Desse modo, em vez de partir do exterior, tenho uma forma interna de pesquisa, emocional, e não física.

Folha - Suas obras são esteticamente muito sedutoras, especialmente com o uso de certos materiais banais como garrafas ou dados. É uma estratégia?
Cragg -
Não é bem uma estratégia. Como se diria em música, é um tema. É preciso escolher um instrumento para fazer música, e esses materiais são a minha forma de comunicação. No último século, muitos materiais tornaram-se disponíveis para o escultor. Especialmente após Duchamp, o vocabulário da escultura ampliou-se muito.

Folha - O que o sr. acha da "Young British Art"?
Cragg -
Como vivo na Alemanha, não os conheço pessoalmente. É muito fácil começar uma carreira quando se é jovem, especialmente porque o mundo tem fome de novos artistas, o que é importante para a cultura.
É fantástico que a arte inglesa passe por este momento agora, mas é só daqui a 20 ou 40 anos que poderemos ver o que esses artistas significam de fato.

Folha - O sr. também fez sucesso muito jovem e passou por crises após esse primeiro momento. Como conseguiu superá-las?
Cragg -
Eu não estive apenas em crises nos anos 80, mas também nos 90 e agora [risos". Após um início empolgante, fiquei física e mentalmente cansado de vernissages e mostras. Percebi que a situação me obrigava a atuar de uma maneira específica e eu não queria mais fazer aquilo.
Em 1983, consegui um grande estúdio e voltei a experimentar. Fiz alguns trabalhos a partir de desenhos que pedia para outras pessoas realizarem, mas eles me deixaram muito infeliz, pois eu não tinha identidade com eles.
Foi quando percebi que eu não era Deus, nem tinha de ser um. A matéria é o que me excita, é a única coisa que tenho. Nós somos matéria, nosso espírito é matéria, o amor é matéria. Nós nos estendemos em outras matérias e, numa bela e misteriosa forma, percebi que a escultura é a celebração disso.

Folha - Uma de suas séries é feita com milhares de dados. Como o senhor chegou a esse material?
Cragg -
Muito simples. Fiz uma série de esculturas desenhadas, na qual eu buscava dar energia para os materiais. Queria dar à superfície das obras um certo valor. Há certas esculturas que têm uma superfície cega, que faz com que você pare de observá-las. Quero que a superfície seja uma porta, um convite às suas formas, para que se possa senti-las.
Um dia, vi um saco de dados numa loja de brinquedos e achei que seria um tema fantástico, que tinha a ver até com as teorias de Einstein sobre a relatividade. E gosto de fazer várias relações em minhas obras.



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