São Paulo, sábado, 02 de junho de 2001

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CRÍTICA

Mostra é referência obrigatória

AGNALDO FARIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

São apenas seis esculturas. Duas de bronze e as outras, vidro, madeira, resina termoplástica e carbono sobre polietireno. Cinco técnicas inteiramente diversas entre si e que resultam em seis trabalhos de grande impacto. Mais do que suficientes para que o público tome conhecimento de algumas das possibilidades do pensamento escultórico contemporâneo. E compreenda por que dentro dele a obra de Tony Cragg é referência obrigatória.
Situada à direita de quem entra na galeria, uma pilha densa e monumental de vidro desfaz-se em surpresa pela familiaridade e prosaísmo. Separadas por prateleiras de vidro temperado, garrafas e mais garrafas vão se empilhando num jogo formal que alude diretamente à nossa memória dos porões e garagens das casas paternas. Armazém de detritos que gostávamos de fuçar.
A envergadura monolítica da peça, obtida pelo empilhamento, provavelmente o mais remoto dos impulsos construtivos, estilhaça-se na sucessão das paredes das garrafas e vasos. Colados uns aos outros, o vidro, ar estancado, vai se revelando sutilmente esverdeado. Pele e vazio, pele e oco, a escultura é tanto ar quanto epiderme transparente.
A preocupação com a pele das coisas é a tônica da preocupação desse escultor, como também o é a demonstração que o seu trabalho consiste em infundir vida e inteligência à matéria de que elas são feitas. "Ser Racional" e "Cristal de Madeira", aquela de carbono e esta da madeira laminada, derivam do mesmo gesto trivial com que nós desenhamos obsessivos desenhos circulares quando em longas conversas telefônicas.
Para Cragg, o devaneio dos dedos é o ponto de partida para a elevação da matéria no espaço. A circularidade excêntrica do gesto é o responsável para que a matéria vá se erguendo oscilante e assimétrica. A geometria contagia-se de vigor vital, e a peça resolve-se em massa transbordante e dinâmica.
Em Cragg, invariavelmente os procedimentos construtivos descambam em resultados orgânicos. Os totens, como "Cristal de Madeira", são explicitamente eróticos. Já "Secreções", com sua combinação de formas côncavas e convexas, sugere o movimento de um organismo, e sua superfície porosa à distância atrai e agarra nosso olhar. De perto, outra surpresa. A pele da peça é constituída por uma infinidade de pequenos dados. Paralisados, agora são os olhos que rolam sobre eles, reconhecendo o um, o dois, o três...


Agnaldo Farias é professor do curso de arquitetura e urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP
Tony Cragg
     Onde: galeria Thomas Cohn (av. Europa, 641, São Paulo, tel. 0/xx/11/3083-3355)
Quando: de seg. a sex., das 11h às 19h; aos sáb., das 11h às 14h. Até 9/6
Quanto: entrada franca, obras de US$ 80 mil a US$ 125 mil



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