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Autor retrata "extinção pura e simples"
RODRIGO MOURA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma multidão despenca de um
prédio em uma cidade perdida
-uma São Paulo imaginada. Do
16º ao chão duro, "Nada do que É
Humano me É Alheio". Trata-se
de um dos cinco contos de "O Filho do Crucificado", o quinto título adulto do escritor Nelson de
Oliveira, 34.
No texto, a metáfora do suicídio
coletivo serve de tinta para pintar
o quadro de uma metrópole onde
as vozes se confundem. Uma
"textura", no dizer de seu autor,
onde nenhum sujeito pode ser
privilegiado no caos da cidade.
Nas seis narrativas da obra, que
será lançada pela Ateliê Editorial
este mês, o fantástico e o absurdo
se entrelaçam nos contos mais
uma novela, de nome idêntico ao
do livro. Em todos os textos, uma
só idéia, desdobrada em aspecto
caleidoscópico: o fim dos tempos.
"Para esse termo, você encontra
milhões de acepções possíveis.
Pode ser uma coisa concreta, por
exemplo um apagão, ou o final da
narrativa como a gente a conhece
até então", define este paulista de
Guaíra que há mais de dez anos se
encontra instalado na cidade que
alimenta contos como este.
O que está em jogo para o autor
nesse seu novo trabalho é a condição do homem diante da morte.
"A extinção pura e simples. Sem
razão alguma."
No apartamento em que trabalha, numa rua secundária do bairro de Perdizes, onde falou à Folha, Nelson de Oliveira passa em
média duas horas por dia, não
mais, sem feriados e "religiosamente", detido em escrever seus
textos. No restante de seu tempo
útil, é diretor de arte de uma editora de livros infantis.
Pavimentou sua trajetória literária com os contos de "Os Saltitantes Seres da Lua" (97), "Naquela Época Tínhamos um Gato"
(98) e "Treze" (99) e o romance
"Subsolo Infinito" (2000), todos
amplamente comentados pelos
resenhistas atentos ao novo na cena literária nacional. Traz na algibeira ainda os infantis "Quem É
Quem Nesse Vaivém" e "O Leão
que Achava que Era Domador".
"O Filho do Crucificado", nesse
caminho, significa o que Nelson
de Oliveira considera, "com orgulho", o ponto de síntese. "Tudo o
que fiz antes", diz, "converge, curiosamente, para narrativas em
forma de paródia".
O garoto religioso do interior
acerta contas com a Bíblia, parodiando escrituras sagradas e apócrifas, às quais soma referências
da literatura moderna. Kafka convive com o Apocalipse. "Aquilo
está tão entranhado que a gente só
pode ruminar vida afora."
Ponto-chave desse processo é a
novela homônima ao livro, que
fecha o volume, na qual retoma
dogmas bíblicos como o corpo de
Cristo. O dito, nessa noveleta de
62 páginas, teria tido um filho, Jeremias, com uma prostituta, primeiro chamada Maria Madalena,
depois Ana Maria.
Um dos capítulos da narrativa,
"Ana Maria dos Espíritos", começa assim: "Hoje mamãe morreu",
como "O Estrangeiro" (1940), de
Albert Camus.
Buscando na Bíblia o que se poderia chamar, ironicamente, de
inspiração divina, o escritor, hoje
"ateu convicto", se atém a não
moralizar os entrechos de suas
histórias, mais ricas em imagística
do que em conclusões morais.
"Não quero nada mais que pôr as
peças no tabuleiro", confirma.
Em um outro conto como
"Quantos?", uma verdadeira maratona sexual é narrada, na primeira pessoa, por uma mulher
que após acolher em seu leito dezenas (mais?) de parceiros culmina a relação num contato íntimo
com ninguém menos que Ele.
Mas, como diz a própria narradora, "só pode ter sido uma alucinação, certo?". Resta a dúvida. Pelo sim, pelo não, ela termina o
conto disposta a se tornar apresentadora de um programa de
TV. Fim dos tempos?
"Bater no liquidificador." É assim que o autor denomina o expediente que sustenta essa prosa
alucinatória, na qual o fluxo de referências pós-modernista se encontra com a tradição do realismo
mágico latino-americano. "Tomar o bonde de Borges, mas, se
não houver jogo de renovação da
linguagem, não me interessa."
O universo do misticismo cristão que serve de esteio para "O Filho do Crucificado" serviu também para Murilo Rubião e José J.
Veiga, referências caras ao autor
junto ao surrealismo "fora do lugar" de Campos de Carvalho
-uma trilha da pouco linear tradição fantástica no Brasil.
De Rubião, há reflexos notáveis
em "Arremessa Teu Raio até a
Morte", conto que abre o livro, reconhecidos por Oliveira no clima
fantástico e na tipologia dos personagens, "engraçados".
"Acho que há um certo lirismo
que nos une."
A OBRA
Livro: O Filho do Crucificado
Autor: Nelson de Oliveira
Editora: Ateliê Editorial
Quanto: preço indefinido
(173 págs.)
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