São Paulo, terça, 2 de junho de 1998

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Soy latinoamericano?


Escritores debatem no Rio a identidade da literatura produzida no Brasil e em países da América Latina


RAFAEL VOGT MAIA ROSA
free-lance para a Folha

Oito escritores e críticos da América Latina debatem a partir de hoje, no Rio de Janeiro, as relações literárias no continente -tema tão intrincado quanto o das relações econômicas entre esses países.
A questão da identidade literária abrange de uma vez o conceito de identidade nacional, diversidade linguística, dificuldades editoriais e tradição histórica.
Por isso, o Encontro com a Literatura Latino-Americana Contemporânea, que ocorre no Centro Cultural Banco do Brasil até sexta-feira, dia 5 (leia programação nesta página), é uma oportunidade incomum para que brasileiros e latino-americanos tentem superar o atraso do meio literário em relação, por exemplo, aos acordos econômicos já iniciados entre esses países.
Estarão reunidos, entre os estrangeiros, os romancistas Ricardo Piglia (Argentina), Francisco Rebolledo (México), Zoé Valdés (Cuba) e o poeta chileno Gonzalo Rojas. Os brasileiros convidados são o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, o escritor e tradutor Eric Nepomuceno, a professora de literatura hispano-americana da UFRJ Bella Jozef e o escritor Moacyr Scliar, colunista da Folha.

Da Argentina à Cuba
O debate de hoje reunirá a professora Bella Jozef, autora de "História da Literatura Hispano-Americana", e o escritor Ricardo Piglia, principal autor argentino da atualidade.
Quase todos os seus livros estão traduzidos no Brasil, entre eles, "Respiração Artificial" e "A Cidade Ausente", além de "Plata Quemada" -a ser publicado- , vencedor no ano passado do Prêmio Planeta.
Amanhã, o encontro será entre os escritores Moacyr Scliar e a cubana Zoé Valdés, autora de "O Nada Cotidiano", seu primeiro livro lançado no Brasil (ed. Record), em que cria uma visão bastante pessoal da revolução cubana de 1959, ano de seu nascimento.
Scliar recebeu recentemente o Prêmio José Lins do Rego, da Academia Brasileira de Letras, pelo seu último livro, "A Majestade do Xingu" (ed. Companhia das Letras). É autor, entre outros, de "A Orelha de Van Gogh" e "Sonhos Tropicais".
Na quinta-feira, reúnem-se os poetas Ferreira Gullar e Gonzalo Rojas. O brasileiro Gullar foi um dos fundadores da poesia concreta nos anos 50, com a qual rompeu para inaugurar o movimento neoconcretista.
São dele importantes obras da poesia brasileira contemporânea, como "Luta Corporal" e "Dentro da Noite Veloz". Lançou recentemente "Etapas da Arte Contemporânea" (ed. Revan) -reunião de sua crítica de arte- e prepara a publicação de um livro autobiográfico relacionado ao período do regime militar no Brasil.
O chileno Rojas é um dos maiores nomes da poesia de seu país. Ganhou, nos últimos três anos, os maiores prêmios de língua espanhola: o Cervantes (espanhol, em 96), o José Hernandes (argentino, em 97) e Octavio Paz (mexicano, em 96). No Brasil, no entanto, teve seus poemas editados esparsamente, em antologias. Nenhum livro seu foi traduzido no país.
No último dia do encontro, o escritor e crítico brasileiro Eric Nepomuceno, autor de "Coisas do Mundo", debaterá com o mexicano Francisco Rebolledo, autor do best seller "Rasero", lançado no Brasil pela Nova Fronteira.

Diferenças e identidade
O caráter da literatura latino-americana é uma questão que pode esbarrar em noções tão incompreendidas quanto, por exemplo, o processo de aquisição da língua materna.
A literatura é um referencial relativamente estável e ao mesmo tempo um elemento de construção do conceito de identidade nacional. Talvez uma de suas principais funções seja a de simultaneamente gerar dúvidas e possibilidades de entendimento gradual da própria identidade. No nível mais prático, no entanto, muita coisa separa os brasileiros dos demais povos da América, mas a maior fronteira entre Brasil e Argentina, por exemplo, continua sendo o português e o espanhol.
Por fim, não é gratuito perguntar se um "encontro com a literatura latino-americana" contará com, além da perícia de escritores e intelectuais, algum tipo de tradução para que o público participe do livre debate proposto pelos organizadores do evento.



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