São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009

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COMIDA

A essência da tainha

Salgar, lavar e secar -esse é o processo para transformar as ovas da tainha, encontradas até o final deste mês, na cara bottarga; veja como fazer em casa

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos os anos, cardumes de tainha deixam o estuário da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, à procura de águas mais quentes para a desova. Passado o defeso, quando a captura é proibida pelo Ibama, chegam ao litoral catarinense e, entre maio e julho, atraem os pescadores da região, menos por sua carne e mais por suas ovas.
Alongadas e amarelas, as ovas vêm em par e se sobressaem na barraca de peixes. Com elas se faz a bottarga, nome dado à ova da tainha (muggine, em italiano) depois de salgada, lavada e seca -as ovas do atum que passam pelo mesmo processo também se chamam bottarga (di tonno).
É uma iguaria caríssima, fatiada finalmente sobre massas e ovos, em pequenas quantidades, porque tem um gosto intenso e algo picante. "É um sabor de oceano, não tem necessidade de usar em grande quantidade. Recomenda-se colocar entre 10 g e 15 g em cada prato", diz Christian Katopodis, diretor da Lefkas (www.bottarga club.com), empresa que processa o ingrediente na praia da Gamboa, em Garopaba (SC).
"É uma tradição na minha família, porque no Mediterrâneo esse peixe é abundante", diz Katopodis, filho de gregos. "Quem a introduziu no mundo culinário foram os sardos. Mas sempre se usaram ovas de tainha no Mediterrâneo, desde a época dos fenícios."
Na Sicília e na Sardenha, consideradas as principais produtoras e consumidoras de bottarga, as lascas costumam ser temperadas com limão e azeite e comidas com pão.

A "gema" da tainha
No último ano, o quilo das ovas de tainha chegou a custar R$ 80 no mercado de Florianópolis. "Setenta por cento dos consumidores de tainha vão à procura da ova", diz Osvani Gonçalves, presidente do Sindpesca (Sindicato dos Pescadores de Santa Catarina).
Até o final de julho, costuma-se encontrar ovas de tainha nas bancas de peixe paulistanas. Na última semana, o quilo variava de R$ 40 a R$ 60. Se o valor da ova fresca já é alto, depois de processada pode custar dez vezes mais. Em mercados gourmet, como o Santa Luzia, o quilo da nacional custa R$ 478. Assim, por uma "perna" de ova seca com 130 g pagam-se R$ 62, enquanto por uma ova fresca dupla, com 300 g, a reportagem da Folha pagou R$ 15 -rendeu uma bottarga com pouco mais de 200 g (leia mais à direita).
A desidratação e a secagem é um processo que demanda tempo e paciência, mas que pode ser feito em casa com bons resultados. A receita? Cada um tem uma. Há quem prefira o sal grosso; outros, o refinado. Há quem misture um pouco de açúcar ao sal, por achar que suaviza o sabor impetuoso das ovas. Outros dizem que desidratação se faz com sal -e só.
Tradicionalmente, ela é seca ao sol, mas também é possível conseguir uma bottarga saborosa secando-a no forno elétrico a uma temperatura baixíssima (entre 50ºC e 60ºC) -veja na ilustração abaixo. O melhor é entender o princípio e variar as experimentações até descobrir a que mais agrada.
Na "safra" passada, a chef Ana Soares, do pastifício e rotisseria Mesa III, fabricou suas próprias bottargas usando sal refinado e secando-as no forno à lenha. "Foram enfiadas um pouco demais no forno. Têm de ficar mais na beira", diz a chef.
Dessa vez, resolveu testar o sal grosso e o fino aromatizado. Chegou à conclusão de que não é preciso pôr peso sobre elas. "Só precisa virar sempre", diz. "Acho que o sal grosso faz um trabalho mais violento. O fino não machuca. E tem que controlar o forno para não secar mais do que deve. É que nem ovo. Se cozinha violentamente, coagula de um jeito ruim."


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