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Crítica
Trama é diluída em "As Troianas" experimental
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Tragédias gregas são
um eterno manancial para o teatro. "As
Troianas - Vozes da Guerra",
do Núcleo Experimental, é a
prova de que sempre é possível iluminar, de um ângulo
insuspeito, obras como essa
de Eurípides.
Na encenação, não se ouvem as vozes ácidas das mulheres de Troia, feitas prisioneiras pelos recém-vitoriosos gregos, que arrasaram
sua cidade e mataram seus
maridos e filhos. O que se
pressente são as almas doloridas e os sentimentos recolhidos de indignação com as
barbaridades dos algozes.
A ousada proposta do encenador Zé Henrique de
Paula apresenta a tragédia
apenas com as linguagens
corporal e musical das atrizes e com as falas dos atores
enunciadas em alemão.
Com os sentidos do texto
obscurecidos, a ação dramática se rarefaz e a presença física se intensifica. Ocorre
que a forma de contornar a
dificuldade narrativa imposta pelas constrições adotadas
nem sempre é feliz e que a riqueza maior da tragédia talvez esteja mesmo no texto,
inalcançável à maioria dos
espectadores.
O espetáculo respeita o
prólogo do original, em que
os deuses Poseidon e Palas
Atena discutem o destino
dos mortais, gregos e troianos. Ele é convertido em um
filme ambientado numa sala
da alta sociedade alemã, nos
anos 40. O diálogo, em que
Atena promete criar dificuldades aos gregos em seu retorno, tem legendas em português. Quando a ação começa, propriamente, percebe-se que a situação original foi
transposta para um campo
de concentração na Alemanha nazista. As troianas tornaram-se judias, recém-chegadas em um trem, e, os gregos, soldados e oficiais alemães falando sem legendas.
O espectador que conhece
a trama de "As Troianas" vai
decodificando as cenas através dos cantos e dos gestos e
chega a se admirar com a eficácia da transposição radical.
Quem não conhece, e não domina o alemão, tem diante
de si uma pantomima sobre o
martírio humano, desenhada no clichê do campo de
concentração e sem sinais
das ruínas de Troia.
É verdade que, em vários
momentos, principalmente
nos musicais, a sutileza das
variações de luz e de pequenos e significativos movimentos supre perfeitamente
a ausência de significados
claros nas falas ouvidas.
Destaque-se a cena em que
Menelau reencontra Helena,
por quem aquela guerra se
fez. A atriz Norma Gabriel
canta lindamente à capela na
tentativa de seduzir o ex-marido. Também é brilhante o
desempenho de Inês Aranha
como Hécuba, não só cantando, mas com um trabalho
extraordinário de expressão
gestual.
O Núcleo Experimental
avança em sua pesquisa em
busca de um novo lugar para
a música no teatro. Como em
qualquer investigação séria,
não temeu assumir riscos e
contabilizar perdas.
AS TROIANAS
Quando: sex. a dom., às 20h, até
12/7
Onde: Sesc Av. Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/x/11/3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20 (ingressos
esgotados)
Classificação: 16 anos
Avaliação: regular
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