São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009

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Crítica

Trama é diluída em "As Troianas" experimental

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Tragédias gregas são um eterno manancial para o teatro. "As Troianas - Vozes da Guerra", do Núcleo Experimental, é a prova de que sempre é possível iluminar, de um ângulo insuspeito, obras como essa de Eurípides.
Na encenação, não se ouvem as vozes ácidas das mulheres de Troia, feitas prisioneiras pelos recém-vitoriosos gregos, que arrasaram sua cidade e mataram seus maridos e filhos. O que se pressente são as almas doloridas e os sentimentos recolhidos de indignação com as barbaridades dos algozes. A ousada proposta do encenador Zé Henrique de Paula apresenta a tragédia apenas com as linguagens corporal e musical das atrizes e com as falas dos atores enunciadas em alemão.
Com os sentidos do texto obscurecidos, a ação dramática se rarefaz e a presença física se intensifica. Ocorre que a forma de contornar a dificuldade narrativa imposta pelas constrições adotadas nem sempre é feliz e que a riqueza maior da tragédia talvez esteja mesmo no texto, inalcançável à maioria dos espectadores.
O espetáculo respeita o prólogo do original, em que os deuses Poseidon e Palas Atena discutem o destino dos mortais, gregos e troianos. Ele é convertido em um filme ambientado numa sala da alta sociedade alemã, nos anos 40. O diálogo, em que Atena promete criar dificuldades aos gregos em seu retorno, tem legendas em português. Quando a ação começa, propriamente, percebe-se que a situação original foi transposta para um campo de concentração na Alemanha nazista. As troianas tornaram-se judias, recém-chegadas em um trem, e, os gregos, soldados e oficiais alemães falando sem legendas.
O espectador que conhece a trama de "As Troianas" vai decodificando as cenas através dos cantos e dos gestos e chega a se admirar com a eficácia da transposição radical. Quem não conhece, e não domina o alemão, tem diante de si uma pantomima sobre o martírio humano, desenhada no clichê do campo de concentração e sem sinais das ruínas de Troia.
É verdade que, em vários momentos, principalmente nos musicais, a sutileza das variações de luz e de pequenos e significativos movimentos supre perfeitamente a ausência de significados claros nas falas ouvidas.
Destaque-se a cena em que Menelau reencontra Helena, por quem aquela guerra se fez. A atriz Norma Gabriel canta lindamente à capela na tentativa de seduzir o ex-marido. Também é brilhante o desempenho de Inês Aranha como Hécuba, não só cantando, mas com um trabalho extraordinário de expressão gestual.
O Núcleo Experimental avança em sua pesquisa em busca de um novo lugar para a música no teatro. Como em qualquer investigação séria, não temeu assumir riscos e contabilizar perdas.


AS TROIANAS

Quando: sex. a dom., às 20h, até 12/7
Onde: Sesc Av. Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/x/11/3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20 (ingressos esgotados)
Classificação: 16 anos
Avaliação: regular




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