São Paulo, sexta-feira, 02 de agosto de 2002

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RACIONAIS

Menos messiânicos, misóginos como antes, mais suingados

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pergunta tem percorrido comentários sobre "Nada como um Dia Após o Outro Dia", novo disco do mais importante grupo de rap do Brasil: os Racionais voltam mudados ou continuam os mesmos?
Há várias respostas possíveis. Em primeiro nível, soam mudados para menos. O messianismo (trunfo e ponto fraco na distinção dos Racionais de tudo o mais que a MPB tem produzido) não é mais o mote de frente do grupo.
As referências religiosas/políticas continuam frequentes, mas no todo o discurso vem mais solto, ou talvez então assimilado. No papel de condutores ideológicos de seus fãs, os Racionais soam mais cuidadosos, embora contundentes como sempre. "Eu tenho ódio e sei que é mau pra mim/ fazer o que se é assim?", relativiza "V.L. (Parte 2)".
Num outro patamar, a misoginia mantém-se brutal, e os adjetivos de desprezo e repulsa contra as mulheres se esparramam pelos dois volumes do disco. Soam inaceitáveis, asquerosas, mas exprimem a realidade crua da periferia. Volte-se à citação de "V.L. (Parte 2)", talvez a resposta esteja ali.
Por fim, se suingue é o calcanhar-de-aquiles do rap nacional, este disco pode ser o início de uma virada para os Racionais. O clima soturno prevalece (mais no volume "Ri Depois" que no "Chora Agora", em evidente demonstração de que a troca de sinais é a constante dos Racionais), mas as bases tentam se adequar a um maior grau de musicalidade.
A busca de um, digamos, molejo a mais aproxima os Racionais e o rap do encontro de uma identidade brasileira. Já de início, "Vivão e Vivendo" cita extensos versos de "Charles Jr." (70), de Jorge Ben. Cassiano e outros heróis da black music brasileira são citados em música e encarte.
No final do CD 1, em "1 por Amor, 2 por Dinheiro", os Racionais testam uma encabulada mudança de humor, fazendo dessa a faixa mais sacudida (e solenemente divertida) do disco. No final do CD 2, em "Da Ponte pra Cá", a história se repete.
Há por trás delas um esboço de suingue, de sorriso, de auto-ironia, de recusa aos rótulos sempre sinistros colados à militância política e social do rap. Em pique nervoso, revoltado, suingado e levemente brasileiro, os Racionais estão, sim, mudando para a frente.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Nada como um Dia Após o Outro Dia    
Grupo: Racionais
Lançamento: Zambia
Quanto: R$ 23,90 (preço do CD duplo sugerido pelo grupo)



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