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São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

Em "Uma Nova Geração Define o Limite", autor analisa contradições do discurso intervencionista

Chomsky pega seus inimigos pela língua

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

O pensador e linguista norte-americano Noam Chomsky, 75, resolveu montar engenhosa armadilha para desafiar o governo de seu país: em "Uma Nova Geração Define o Limite" (2000), lançado agora pela editora Record, o professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) pega seus inimigos pela língua.
Tecida a partir de ensaios para publicações como o "Le Monde Diplomatique", a obra expõe o ponto de vista do autor de "Manufacturing Consent" sobre declarações dos governos Clinton e Blair na virada do século e as atuações de seus países nas guerras de Kosovo e no Timor Leste.
"Há momentos em que simplesmente não é possível olhar para o outro lado como se não estivéssemos vendo", transcreve declaração do então presidente Bill Clinton, em 1999, véspera dos bombardeios da Otan contra o governo sérvio. Na contramão, cita a Colômbia, com "o pior histórico de violação dos direitos humanos do hemisfério Ocidental ao longo da década de 1990" e "principal beneficiário da ajuda e do treinamento militar dos EUA".
O premiê britânico e tradicional aliado dos americanos, Tony Blair, empresta não só o título do livro -"A New Generation Draws the Line", tirado de uma reportagem que concedeu à revista "Newsweek" em abril de 99-, mas também o aval para uma das três premissas básicas apontadas por Chomsky para o novo manual de intervencionismo das potências ocidentais para o século 21: a credibilidade da Otan.
"O essencial é que não poderíamos perder. Se perdêssemos, não teríamos apenas fracassado em nosso objetivo estratégico; derrotados em nosso propósito moral, teríamos desferido um golpe arrasador na credibilidade da Otan", cola à argumentação declaração de Blair à BBC, em 2000.
Um amontoado de aspas -e de valiosas notas bibliográficas- poderia ser, para dizer o mínimo, a comprovação do batido ditado de que todo peixe morre pela boca. Só que Chomsky está longe de comemorar o ensopado: "A maioria da população dos EUA continua sem saber nada do que se passou no Timor Leste. E o pouquinho que sabia do que aconteceu em Kosovo provavelmente já esqueceu", afirma o intelectual, por telefone, à Folha.
Apesar do sucesso recente de livros seus como "11 de Setembro", lançado logo após os atentados de 2001 e responsável por vendas de mais de 200 mil exemplares nos EUA, Chomsky lembra que seu "Uma Nova Geração Define o Limite" não encontrou o mesmo eco na mídia americana.
"[Os grandes jornais] Não podem aceitar uma análise crítica como essa. O livro não podia ser mencionado na imprensa, sob o risco de haver uma grande histeria", diz. "Sobre o Timor Leste, por 25 anos não havia cobertura na imprensa de que os EUA forneciam à Indonésia apoio diplomático e militar para conquistar e virtualmente destruir um país."
Entre outros argumentos questionados por Chomsky no livro está o de que os ataques nos Bálcãs teriam sido movidos pela preocupação de "evitar uma limpeza étnica" comandada pelos homens de Slobodan Milosevic. "Hoje sabemos que aquelas atrocidades foram uma consequência da guerra, não a sua causa", cita, reimprimindo as aspas do general Wesley Clark, então comandante americano da Otan, de que, diante dos bombardeios, a intensificação do terror sérvio seria "inteiramente previsível".
Com George W. Bush no poder e pelo menos mais meia dúzia de livros sobre as relações da mídia e o poder americano nas estantes, Chomsky tem muito que trabalhar. "Estamos diante de um grupo bastante extremista com uma meta internacional bem clara: a dominação do mundo pela força." Nada de novo no front?


UMA NOVA GERAÇÃO DEFINE O LIMITE. Autor: Noam Chomsky. Lançamento: Record. Quanto: R$ 22.


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