|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BIBLIOTECA FOLHA
Em "Rumo ao Farol", de 1927, autora intensifica experiências narrativas de "Jacobs Room" e "Mrs. Dalloway"
Woolf passeia entre ficção e autobiografia
France Presse
|
A atriz Nicole Kidman como Virginia Woolf em "As Horas" (2002) |
JOÃO ALEXANDRE BARBOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Rumo ao Farol" ("To the
Lighthouse"), de Virginia
Woolf (1882-1941), foi publicado
em 1927. Antes, em 1925, havia
publicado "Mrs. Dalloway". Depois, em 1928, publicará "Orlando". E, se a essas duas obras fundamentais da ficção moderna se
acrescentar ainda a publicação da
primeira série do "Common Reader", em 1925, reunindo, pela primeira vez, alguns dos ensaios fundamentais da escritora, tem-se
uma idéia da importância desse
momento em sua vida.
Vida que encontraria nas obras
mencionadas os seus exemplos
mais acabados e fortes de representação.
Por um lado, era a memória dos
pais -Julia e Leslie Stephen- ,
que seria o modelo do casal Ramsay, protagonista de "Rumo ao
Farol", e, por outro, as experiências afetivas e amorosas com a bela e talentosa Vita Sackville-West,
protótipo do hermafrodita Orlando.
Mais importante do que isso,
entretanto, foi que, nesse livro de
1927, ela intensificou as experiências de construção narrativa que
estão em suas obras imediatamente anteriores, o "Jacobs
Room", de 1922, e o já mencionado "Mrs. Dalloway", sobretudo a
superação dos limites da ficção
realista com técnicas de simultaneidade alicerçadas naquilo que
se chamou, a partir de William James, de "fluxo da consciência",
permitindo-se a integração, na estrutura da narrativa, de momentos de iluminação (as epifanias de
Joyce ou Proust) e criando-se, por
outro lado, uma nova concepção
do tempo narrativo a que já se
chamou de "forma espacial do romance".
Neste sentido, embora a obra tenha um plano claramente delineado, as três partes, separadas
por dez anos de experiências, antes confundem do que clarificam
a cronologia porque o tempo que
passa, ou passou, como está sobretudo na segunda parte, não se
desprega da experiência subjetiva
e da memória dos personagens.
Assim, por exemplo, os dez
anos transcorridos somente são
revelados uma única vez ao leitor
e como que de passagem, numa
das muitas iluminações experimentadas por Lily Briscoe, pintora que assume o foco narrativo da
última parte, no seguinte trecho:
"Quando se sentara ali pela última vez, dez anos atrás, havia um
ramo ou folha no desenho da toalha, para o qual olhara num momento de revelação. Havia um
problema sobre o primeiro plano
de um quadro. Mover a árvore
para o centro, dissera. Nunca terminara esse quadro. E isso ficara
remoendo em sua mente todos
esses anos".
E se o romance se inicia pelas diferenças entre Mr. e Mrs. Ramsay
-a primeira frase do livro "É claro que amanhã fará um dia bonito", proferida pela mãe, é logo
contrariada pela do pai, "Mas o
dia não ficará bom"- elas não se
resolvem durante a narrativa
(mesmo porque Mrs. Ramsay já
está morta ao se iniciar a segunda
parte) e o que persiste é o passeio
ao farol antes como busca, projeto, procura, do que como uma
realização.
É preciso atentar para o fato de
que o último capítulo não é de
chegada, mas de ida ao farol em
que Lily Briscoe, trabalhando em
seu quadro, vê a família Ramsay,
agora reduzida a seis filhos, guiada pelo pai, desaparecer por entre
a bruma e a distância.
Nada é fixo neste romance,
muito menos os significados.
A própria Virginia Woolf, em
resposta a uma carta de Roger
Fry, escrevia sobre o assunto:
"Não signifiquei nada com o farol... Vejo que todas as espécies de
sentimentos serão acrescentados
a isto, porém me recuso a pensá-los e acredito que as pessoas farão
deles o depósito de suas próprias
emoções. Não sei tratar com simbolismo exceto neste sentido vago, generalizado".
Não obstante, e assim como a
agora madura Lily Briscoe espera,
trabalhando, que um novo momento de revelação possa ajudá-la a terminar o seu quadro (o que,
de fato, acaba por ocorrer), assim
Virginia Stephen, agora uma
amadurecida Virginia Woolf,
acumula revelações por onde possa responder a uma existência
atormentada pelas relações familiares pontilhada de assédios sexuais, crises de identidade (em
que a sexual não era das menores)
que terminaria por levá-la, não ao
farol, mas às águas profundas do
rio Ouse, onde se suicidou.
João Alexandre Barbosa, 65, é professor titular de teoria literária e literatura comparada da USP e autor de "A Metáfora Crítica" (Perspectiva, 1974), "A Biblioteca Imaginária" (Ateliê, 1996) e "Alguma Crítica" (Ateliê, 2002), entre outros
Texto Anterior: Livro/lançamento: Chomsky pega seus inimigos pela língua Próximo Texto: Poesia: Penguin é obrigada a retirar livros Índice
|