São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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TEATRO

Pesquisadora austríaca radicada no Brasil capitaneia montagem da tragédia grega, que estréia sexta em Porto Alegre

Rosenfield propõe "novo olhar" sobre "Antígona"

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL EM PORTO ALEGRE

No futuro, um historiador do teatro brasileiro que olhar para estes meados de década vai encontrar uma convergência de montagens de "Antígona".
Em 2003, o grupo Os Satyros mostrou em SP um libelo anti-Bush centrado em Creonte, dirigido por Rodolfo García Vázquez.
Na mesma temporada, o Pia Fraus lançou "Olhos Vermelhos -Tributo a Antígona", em que a encenadora convidada, Ione Medeiros, sublimou o caráter heróico da mulher que reivindica, sem violência, o direito de sepultamento do irmão, contrariando o rei de Tebas, Creonte.
Até o final deste ano, o encenador Antunes Filho deve estrear a sua versão da tragédia grega de Sófocles (século 5 a.C.). E na próxima sexta-feira Porto Alegre pontua outra leitura.
A "Antígona" que estréia no teatro São Pedro, na capital gaúcha, com direção de Luciano Alabarse, busca traduzir em cena as perspectivas teóricas da pesquisadora Kathrin Rosenfield, uma devota da obra. (Em tempo: em 1990, a cidade viu uma premiada montagem do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, "Antígona, Ritos de Paixão e Morte").
Autora de três livros e dezenas de artigos sobre "Antígona", a austríaca Rosenfield, radicada no Brasil desde 1984, propõe um "novo olhar" sobre a história da filha nascida da união incestuosa de Édipo e Jocasta.
"Um belo dia, pensei que era hora de admitir este fato: todas as encenações e traduções da "Antígona", no fundo, me repugnavam e as "chaves" interpretativas que opõem a bela Antígona ao Creonte hediondo pareciam mais trancar do que abrir perspectivas vivas", diz Rosenfield, 50.
Ela aponta algumas recorrências: a oposição da nobre mártir contra o tirano abjeto (em Goethe), a família contra o Estado (Hegel), a juventude contra a velhice (Brecht) e a transcendência divina contra a imanência humana (Reinhardt). Todas, segundo a pesquisadora, assentadas no maniqueísmo do bem versus o mal.
"Onde está o "trágico" de verdade, um erro humano sem vício, uma impossibilidade, um limite que expõe a ferida sem remédio da condição humana?", se perguntava, colocando de lado o que considera um viés cristão, de culpa, vergonha, em favor de essência trágica mais complexa.
Rosenfield quer valorizar a dupla tragédia, na qual os personagens principais perseguem com sinceridade um alvo razoável. Antígona (papel de Evelyn Ligocky) quer enterrar o irmão, condição mínima para salvar a honra da estirpe. Creonte (José Baldiserra) procura pacificar a cidade com um rito purificador que faz do cadáver de Polinice o bode expiatório dos males de Tebas, enquanto recupera Etéocle como amigo exemplar (este, morto no mesmo embate com o irmão Polinice, a quem também mata). O rei, em suma, quer substituir a linhagem "poluída" de Édipo pela sua própria.
Alabarse acolhe essas "camadas de significados" apoiando-se também no coro (ao todo, são 31 atores ou bailarinos no palco). A equipe de criação soma ainda Artur de Farias (compositor), Marcelo Delacroix (direção musical), Carlota Albuquerque (coreografia), Davi Ribeiro (cenografia), Malu Rocha (figurinos) e Cláudia de Bem (iluminação).


ANTÍGONA. De: Sófocles. Tradução: Lawrence F. Pereira. Com: Luciano Éboli, Mauro Soares, Alexandre Silva e outros. Onde: teatro São Pedro (pça.Marechal Deodoro, s/nš, Porto Alegre, tel. 0/xx/ 51/3226-7595). Quando: estréia dia 6/8; qua. a sex., às 21h; dom., às 18h. Quanto: R$ 20. Até 15/8.


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