São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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CINEMA

Diretor francês lança em seu país filme político e vem ao Brasil para acompanhar retrospectiva de sua obra em SP e Rio

Guédiguian encara a militância no cinema

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa cerimônia cercada de pompa e circunstância, a atriz francesa Ariane Ascaride literalmente pulou no pescoço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na embaixada brasileira em Paris, em janeiro deste ano.
"Não dou muita bola para protocolo", diz Ascaride. Além disso, a intelectual de esquerda casada com o também esquerdista cineasta francês Robert Guédiguian tinha um recado pessoal para o chefe do governo brasileiro: "Não faça besteiras. Não só os brasileiros contam com você. Muita gente ao redor do mundo também".
Na semana passada, o casal preparava-se para vir ao Brasil, acompanhar, hoje, a abertura (para convidados) de retrospectiva de sua obra, a ser exibida para o público em São Paulo (3 a 15/8) e no Rio de Janeiro (17 a 22/8).
Ascaride diz que repetiria exatamente as mesmas palavras, se encontrasse Lula novamente. O pensamento à esquerda revela-se também na forma como a atriz encara seu ofício. "Sei e posso, se quiser, exibir minhas qualidades de atriz numa cena. Mas não é isso que me interessa. Quando trabalho com um diretor, coloco-me a serviço de sua imaginação."
Há mais de 20 anos, Ascaride pôs seu talento a serviço da imaginação de Guédiguian. Além dela, os atores Gérard Meylan e Jean-Pierre Darroussin fazem parte da equipe de colaboradores permanentes do diretor, que também conversou com a Folha, por telefone, de Marselha. Acompanhe.

Folha - Em 2002, no Brasil, o sr. anunciou que faria um filme sobre o significado da militância nos dias de hoje. Seu longa "Mon Père Est Ingénieur" (meu pai é engenheiro), que estréia na França no próximo dia 18, responde a questão?
Robert Guédiguian -°
O filme conta um acidente de percurso na vida de dois militantes. Falo da dificuldade de ser militante hoje, obviamente em razão da perda das utopias, mas também pela perda de terreno do poder político para o econômico e pelo surgimento de questões que mais dividem do que unem os trabalhadores. Portanto, não respondo a questão. Na verdade, eu a coloco.

Folha - O desempenho do governo Lula o decepciona?
Guédiguian -
Percebo que há dificuldades para realizar o mais rápido possível o programa pelo qual Lula se elegeu, mas estou certo de que ele está tentando. Estou com os que acham que ele deve ser encorajado e não com os radicais que estão deixando o Partido dos Trabalhadores e o governo.
Mas penso que a melhor maneira de ajudar um político a cumprir seu programa é manter pressão sobre ele. Pode ser uma pressão cúmplice, uma oposição construtiva. O clamor incessante das ruas é o único meio de fazer as coisas acontecerem.

Folha - Dos 11 filmes de sua retrospectiva aqui, tem um favorito?
Guédiguian -
Não tenho um favorito, porque fiz todos com a mesma convicção. Considerando o resultado e a intenção inicial, não há nenhum que julgue fracassado. Em cada filme, há uma seqüência ou imagem de que gosto muito. Quanto ao resto, sempre percebo defeitos ou coisas que poderia ter feito diferente.

Folha - Então é adepto da idéia de que todo filme tem seus dez minutos de arte?
Guédiguian -
[Risos] Exato.

Folha - Vista em retrospectiva, sua obra desenha uma reta ou um círculo?
Guédiguian -
Espero que uma espiral, ou seja, um círculo que continua a se mover. Procuro fazer o novo com os mesmos ingredientes. Para mim, é uma regra que, para manter as coisas, é preciso transformá-las sempre.

Folha - Trabalhando há 20 anos com os mesmos atores, não pensa em fazer um filme colagem com todos os seus títulos?
Guédiguian -
Acho interessante, mas não como algo para eu fazer. Soaria como fazer um filme sobre mim. E eu não faria um filme sobre mim. Talvez alguém faça isso, como trabalho universitário ou documental.



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