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CINEMA
Diretor francês lança em seu país filme político e vem ao Brasil para acompanhar retrospectiva de sua obra em SP e Rio
Guédiguian encara a militância no cinema
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Numa cerimônia cercada de
pompa e circunstância, a atriz
francesa Ariane Ascaride literalmente pulou no pescoço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na
embaixada brasileira em Paris,
em janeiro deste ano.
"Não dou muita bola para protocolo", diz Ascaride. Além disso,
a intelectual de esquerda casada
com o também esquerdista cineasta francês Robert Guédiguian
tinha um recado pessoal para o
chefe do governo brasileiro: "Não
faça besteiras. Não só os brasileiros contam com você. Muita gente ao redor do mundo também".
Na semana passada, o casal preparava-se para vir ao Brasil,
acompanhar, hoje, a abertura
(para convidados) de retrospectiva de sua obra, a ser exibida para o
público em São Paulo (3 a 15/8) e
no Rio de Janeiro (17 a 22/8).
Ascaride diz que repetiria exatamente as mesmas palavras, se encontrasse Lula novamente. O
pensamento à esquerda revela-se
também na forma como a atriz
encara seu ofício. "Sei e posso, se
quiser, exibir minhas qualidades
de atriz numa cena. Mas não é isso
que me interessa. Quando trabalho com um diretor, coloco-me a
serviço de sua imaginação."
Há mais de 20 anos, Ascaride
pôs seu talento a serviço da imaginação de Guédiguian. Além dela,
os atores Gérard Meylan e Jean-Pierre Darroussin fazem parte da
equipe de colaboradores permanentes do diretor, que também
conversou com a Folha, por telefone, de Marselha. Acompanhe.
Folha - Em 2002, no Brasil, o sr.
anunciou que faria um filme sobre
o significado da militância nos dias
de hoje. Seu longa "Mon Père Est
Ingénieur" (meu pai é engenheiro),
que estréia na França no próximo
dia 18, responde a questão?
Robert Guédiguian -°O filme
conta um acidente de percurso na
vida de dois militantes. Falo da dificuldade de ser militante hoje,
obviamente em razão da perda
das utopias, mas também pela
perda de terreno do poder político para o econômico e pelo surgimento de questões que mais dividem do que unem os trabalhadores. Portanto, não respondo a
questão. Na verdade, eu a coloco.
Folha - O desempenho do governo Lula o decepciona?
Guédiguian - Percebo que há dificuldades para realizar o mais rápido possível o programa pelo
qual Lula se elegeu, mas estou certo de que ele está tentando. Estou
com os que acham que ele deve
ser encorajado e não com os radicais que estão deixando o Partido
dos Trabalhadores e o governo.
Mas penso que a melhor maneira de ajudar um político a cumprir seu programa é manter pressão sobre ele. Pode ser uma pressão cúmplice, uma oposição
construtiva. O clamor incessante
das ruas é o único meio de fazer as
coisas acontecerem.
Folha - Dos 11 filmes de sua retrospectiva aqui, tem um favorito?
Guédiguian - Não tenho um favorito, porque fiz todos com a
mesma convicção. Considerando
o resultado e a intenção inicial,
não há nenhum que julgue fracassado. Em cada filme, há uma seqüência ou imagem de que gosto
muito. Quanto ao resto, sempre
percebo defeitos ou coisas que
poderia ter feito diferente.
Folha - Então é adepto da idéia de
que todo filme tem seus dez minutos de arte?
Guédiguian - [Risos] Exato.
Folha - Vista em retrospectiva,
sua obra desenha uma reta ou um
círculo?
Guédiguian - Espero que uma
espiral, ou seja, um círculo que
continua a se mover. Procuro fazer o novo com os mesmos ingredientes. Para mim, é uma regra
que, para manter as coisas, é preciso transformá-las sempre.
Folha - Trabalhando há 20 anos
com os mesmos atores, não pensa
em fazer um filme colagem com todos os seus títulos?
Guédiguian - Acho interessante,
mas não como algo para eu fazer.
Soaria como fazer um filme sobre
mim. E eu não faria um filme sobre mim. Talvez alguém faça isso,
como trabalho universitário ou
documental.
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