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RESENHA DA SEMANA
Naturalmente artificial
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Nos Estados Unidos, o
conto é, mais do que um
gênero literário, uma instituição. Como quase tudo naquele
país, o conto foi incorporado de
uma forma pragmática às demandas da sociedade.
As mais prestigiosas universidades americanas, que cobram
altas anuidades sob a justificativa de melhor preparar seus alunos para o mercado, oferecem
cursos de criação literária em
que o conto é a principal matéria-prima.
Por toda parte, pululam revistas especializadas, embora os
tempos já não sejam os de F.
Scott Fitzgerald, que chegou a
sobreviver, e bem, da venda de
suas histórias.
Hoje, a maioria das revistas
paga pouco, quando não paga
nada. E ainda assim uma publicação de prestígio como a "The
New Yorker", por exemplo,
mantém um padrão especialmente elevado (US$1 por palavra) para os seletos ficcionistas
que têm a honra de figurar em
suas páginas.
Curioso é que, nesse país constituído pela competição e pelo
mito da busca da excelência associada ao mercado, uma tendência literária que não é necessariamente a do best seller tenha
terminado por se impor como
padrão predominante de qualidade, em detrimento de outras
possibilidades e estilos, criando
um conto "tipicamente americano" e passando a servir de
modelo à maioria dos cursos
universitários de "creative writing", das revistas e dos jovens e
ambiciosos candidatos a escritores.
É na tradição do realismo psicológico, que teve em Raymond
Carver (1938-88) o seu mais célebre e provavelmente mais brilhante paradigma e renovador
no final do século 20, e cujos parâmetros são professados por
expoentes talentosos como Richard Ford, 56, e Tobias Wolff,
55, que o conto americano melhor se reconhece.
"A Noite em Questão", coletânea de Wolff lançada nos EUA
em 96, reúne 15 contos anteriormente publicados em revistas.
Alguns são especialmente comoventes, outros parecem se
contentar em fazer retratos singelos da família e do cotidiano
americano ou se esforçar demais para comover em sua aparente (e, no fundo, rebuscada)
simplicidade, uma naturalidade
de efeito programado que acaba
se tornando o principal calcanhar-de-aquiles dessa "escola literária".
Por vezes, pode parecer que a
verdade dos sentimentos, a
compaixão e a amizade, pela recorrência e insistência com que
são procuradas por esse realismo psicológico, não passam de
afetação, elementos de uma cartilha ou fórmula para conquistar
o leitor pelo consenso da comoção. E, como toda literatura é artifício, o que incomoda aí é justamente a pretensa naturalidade
sentimental.
Tobias Wolff faz uma literatura em que a experiência é fundamental. O fato de o autor ter presenciado o que descreve dá
maior verossimilhança não só
aos seus livros de relatos mas à
sua ficção. Daí a importância do
elemento autobiográfico ressaltado em "This Boy's Life", de 89
-publicado pela Rocco como
"O Despertar de um Homem", o
mesmo título dado no Brasil à
adaptação para cinema que revelou Leonardo DiCaprio.
As histórias mais dramáticas
de "A Noite em Questão" também são, em geral, resultado da
vivência do autor. Wolff combina a busca de situações de grande potencial emotivo -o que
faz dele um herdeiro dos contos
lacrimosos de O. Henry (1862-1910)- com uma economia
mais moderna e minimalista,
um gosto pelo não-dito. É o que
resulta de sua escolha da Guerra
do Vietnã como tema em "Baixa" e "O Outro Miller" (Wolf foi
voluntário) ou da relação de
uma mãe e um filho sozinhos e
em dificuldades (como o próprio autor e sua mãe) em "Luz
do Fogo".
Há também histórias em que a
elaboração narrativa é bastante
engenhosa. É o caso de "Mortais", "A Corrente" (a mais esquemática e moral), "A Noite
em Questão" e "Uma Bala no
Cérebro", uma pequena obra-prima em que o autor abandona
a experiência própria para imaginar os últimos segundos da vida de um crítico literário baleado na cabeça enquanto espera,
resmungando, na fila de um
banco. É quando Wolff justifica
a sua melhor e merecida reputação de contista.
A Noite em Questão
The Night in Question
Autor: Tobias Wolff
Tradução: Aulyde Soares Rodrigues
Editora: Rocco
Quanto: R$ 24 (200 págs.)
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