|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
POP
Além de diluir carreiras, exploração póstuma feita por parentes é capaz até de "limpar" más reputações de astros rebeldes
Artistas mortos "produzem" mais CDs do que em vida
DO "INDEPENDENT"
Elvis está de volta -e não está
sozinho. O remix do lado B "Rubberneckin" (1970), de Paul Oakenfold, previsto para sair em setembro em conjunto com o álbum de compilação "Elvis 2nd to
None" -a sequência inevitável
de "A Little Less Conversation" e
"30 # 1 Hits", lançados no ano
passado-, é uma coisa. Mas também foi lançada em agosto "Close
Up", uma coleção de quatro CDs
com 89 faixas de Elvis gravadas,
mas não utilizadas, além de outras coisas pouco dignas de nota.
Um pacote semelhante, também
"novo", saiu em 2002. Ainda outro tinha sido lançado em 2001.
Os lançamentos póstumos de
obras de artistas pop não são novidade. O que é novo agora é que
muitos desses artistas estão lançando mais álbuns quando mortos do que faziam em vida. Reputações conquistadas em vida estão sumindo sob o peso de discos
gerados por parentes e executivos
com propostas diferentes das dos
artistas. A história pop está sendo
reescrita por pessoas estranhas à
música pop. "Descanse em paz"
deixou de ser uma opção viável.
O que chama a atenção é que as
gravadoras tradicionais têm pouco a ver com isso. São as mães dos
astros que estão controlando a vida após a morte de seus filhos,
ícones de rebeldia -e elas têm
planos grandiosos.
Afeni Shakur é um exemplo. Ela
integrou o movimento Panteras
Negras e teve uma relação difícil
com seu filho, que foi condenado
por estupro, teve ligações com criminosos e acabou sendo morto a
tiros aos 25 anos, em 1996.
Afeni, porém, tem idéias distintas a respeito de seu filho. E, quando ganhou o controle sobre as
gravações dele e descobriu 200
músicas inéditas, ela as pôs em
prática. "Existem idéias equivocadas segundo as quais Tupac era
um rapper, que ele não era politizado, que era bandido ("gangsta').
Mas tenho fé na lenda dele." E essa lenda vem sendo propagada
não apenas nos lançamentos póstumos feitos pelo selo dela, a
Amaru Records -que já lançou
cinco álbuns "novos", além de
singles. A Fundação Tupac Amaru Shakur financia acampamentos de férias para pobres e planeja
construir um centro de artes. As
intenções de Afeni são boas, obviamente. Mas o Tupac frequentemente confuso, arrogante e violento está pouco a pouco sendo
convertido no revolucionário e
santo dos sonhos de sua mãe.
As implicações mais sinistras do
termo "legado", justificativa base
para a superexposição, se comprovam quando as famílias entram em disputa. O caso mais notório é o da família Hendrix, em
que seu pai Al legou o controle
das obras a Janie, filha adotiva do
segundo casamento de Al que está
sendo processada pelo irmão de
Jimi, Leon. Com Kurt Cobain, a
relação entre sua viúva, Courtney
Love, e sua banda, o Nirvana, é
um exemplo raro de disputa ""de
família" saudável, na medida em
que vem evitando sua exploração.
O estranho é que, nesse mar de
exploração, o caso de Elvis Presley
é um bolsão isolado de integridade artística tranquila. A Elvis
Presley Enterprises, dos herdeiros
do cantor, e a gravadora RCA deixaram que um fã, o produtor
Ernst Jorgensen, montasse três
conjuntos definitivos de cinco
CDs cada na década de 1990, colocando uma produção distraída e
errática num formato que traz à
tona toda a grandeza do artista.
Mas se até Elvis corre o risco de
ser diluído, seria bom que mães
adoradoras, gravadoras desesperadas e fãs surdos entendessem
que tudo pode ser bom até certo
ponto. Deveriam deixar o passado para trás, olhar para a frente e
viver suas próprias vidas.
Tradução Clara Allain
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Cinema: Hollywood perde seu "monstro sagrado" Índice
|