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São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

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POP

Além de diluir carreiras, exploração póstuma feita por parentes é capaz até de "limpar" más reputações de astros rebeldes

Artistas mortos "produzem" mais CDs do que em vida

DO "INDEPENDENT"

Elvis está de volta -e não está sozinho. O remix do lado B "Rubberneckin" (1970), de Paul Oakenfold, previsto para sair em setembro em conjunto com o álbum de compilação "Elvis 2nd to None" -a sequência inevitável de "A Little Less Conversation" e "30 # 1 Hits", lançados no ano passado-, é uma coisa. Mas também foi lançada em agosto "Close Up", uma coleção de quatro CDs com 89 faixas de Elvis gravadas, mas não utilizadas, além de outras coisas pouco dignas de nota. Um pacote semelhante, também "novo", saiu em 2002. Ainda outro tinha sido lançado em 2001.
Os lançamentos póstumos de obras de artistas pop não são novidade. O que é novo agora é que muitos desses artistas estão lançando mais álbuns quando mortos do que faziam em vida. Reputações conquistadas em vida estão sumindo sob o peso de discos gerados por parentes e executivos com propostas diferentes das dos artistas. A história pop está sendo reescrita por pessoas estranhas à música pop. "Descanse em paz" deixou de ser uma opção viável.
O que chama a atenção é que as gravadoras tradicionais têm pouco a ver com isso. São as mães dos astros que estão controlando a vida após a morte de seus filhos, ícones de rebeldia -e elas têm planos grandiosos.
Afeni Shakur é um exemplo. Ela integrou o movimento Panteras Negras e teve uma relação difícil com seu filho, que foi condenado por estupro, teve ligações com criminosos e acabou sendo morto a tiros aos 25 anos, em 1996.
Afeni, porém, tem idéias distintas a respeito de seu filho. E, quando ganhou o controle sobre as gravações dele e descobriu 200 músicas inéditas, ela as pôs em prática. "Existem idéias equivocadas segundo as quais Tupac era um rapper, que ele não era politizado, que era bandido ("gangsta'). Mas tenho fé na lenda dele." E essa lenda vem sendo propagada não apenas nos lançamentos póstumos feitos pelo selo dela, a Amaru Records -que já lançou cinco álbuns "novos", além de singles. A Fundação Tupac Amaru Shakur financia acampamentos de férias para pobres e planeja construir um centro de artes. As intenções de Afeni são boas, obviamente. Mas o Tupac frequentemente confuso, arrogante e violento está pouco a pouco sendo convertido no revolucionário e santo dos sonhos de sua mãe.
As implicações mais sinistras do termo "legado", justificativa base para a superexposição, se comprovam quando as famílias entram em disputa. O caso mais notório é o da família Hendrix, em que seu pai Al legou o controle das obras a Janie, filha adotiva do segundo casamento de Al que está sendo processada pelo irmão de Jimi, Leon. Com Kurt Cobain, a relação entre sua viúva, Courtney Love, e sua banda, o Nirvana, é um exemplo raro de disputa ""de família" saudável, na medida em que vem evitando sua exploração.
O estranho é que, nesse mar de exploração, o caso de Elvis Presley é um bolsão isolado de integridade artística tranquila. A Elvis Presley Enterprises, dos herdeiros do cantor, e a gravadora RCA deixaram que um fã, o produtor Ernst Jorgensen, montasse três conjuntos definitivos de cinco CDs cada na década de 1990, colocando uma produção distraída e errática num formato que traz à tona toda a grandeza do artista.
Mas se até Elvis corre o risco de ser diluído, seria bom que mães adoradoras, gravadoras desesperadas e fãs surdos entendessem que tudo pode ser bom até certo ponto. Deveriam deixar o passado para trás, olhar para a frente e viver suas próprias vidas.


Tradução Clara Allain

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